Um ano após tragédia, torcedores veem 'distanciamento' da Chapecoense
Sentimento é de saudade não só dos mortos na Colômbia, mas também de uma época que Chapecó faz questão de que não seja esquecida
Sentimento é de saudade não só dos mortos na Colômbia, mas também de uma época que Chapecó faz questão de que não seja esquecida
Chapecó, SC, 29 (AFI) – Diante de tantas homenagens, um único vaso de flores brancas, bem no centro do campo na Arena Condá, representava bem o sentimento de alguns torcedores que aproveitavam o intervalo do almoço para prestar homenagens nesta quarta-feira. Um ano após a tragédia da Chapecoense, pouca coisa parece clara aos olhos de quem acompanha os jogos de um time que sempre foi “da comunidade” e que em pouco mais de quatro décadas deixou de ser “apenas” uma equipe de Chapecó ou da região oeste de Santa Catarina para conquistar o carinho de todo o mundo.
E os números comprovam isso. A Chapecoense tem hoje cerca de 17 mil sócios contribuintes. Antes da tragédia, o número não passava de 9 mil. Estima-se que a arrecadação do clube, embora não confirmada, possa chegar a R$ 100 milhões em 2017, um aumento de 40% em relação à 2016.
Desde de o acidente, o clube passou por várias mudanças administrativas, pagou seguros, salários e premiações às famílias das vitimas e também recebeu ajuda, como o pagamento de 50% dos salários de jogadores emprestados. Mas aos olhos do torcedor, seja por estratégia administrativa ou foco no resultado que garantiu continuar na Série A, o Chapecoense parece mais fechada do que costumava ser antes da tragédia.
Nesta quarta, durante todo o dia, não houve expediente na sede do clube. A prefeitura decidiu não realizar atos oficiais ou declarar feriado municipal na cidade como esperavam alguns torcedores. Mas a Arena Condá permaneceu aberta para que todos pudessem fazer suas homenagens. Entre os mais apaixonados, um sentimento em comum: falta alguma coisa na relação entre a Chapecoense e o torcedor.
Para a enfermeira Daiane Andreia Dhiel, de 24 anos, que se emociona ao falar da “Chape”, o crescimento do clube e os esforços da atual diretoria são inegáveis, mas hoje a saudade sugere outra reflexão.
“Acho que aprendemos muito com tudo o que aconteceu e ainda estamos aprendendo. Vejo maturidade no comportamento do torcedor, que sabe ponderar até mesmo na critica. Mas também vejo um certo distanciamento do clube. É algo que a gente sente, mas não consegue explicar. Não vejo como nostalgia, mas sem desmerecer o trabalho de quem aceitou esse desafio imenso, parece que falta um pouco de amor. Nos sentimos sozinhos”, explica.
As lembranças dos mortos na tragédia estão espalhadas pela cidade. Nas paredes do clube, um painel está sendo desenhado por artistas para eternizar a imagem daqueles reconhecidos como heróis. Nas ruas, onde a roupa oficial nesta quarta foi a camisa da Chapecoense, o sentimento é de saudade não só dos mortos na tragédia, mas também de uma época que o torcedor faz questão de que não seja esquecida.
“Sou do tempo em que a Chapecoense não era o que é hoje. A gente sentava no chão de terra para acompanhar os jogos. Todos se conheciam, a gente conversava com os jogadores, todos eram amigos da gente. Não havia qualquer tipo de ‘estrelismo’ e a maioria de quem estava lá era voluntário. Acho que essa essência de doação e empenho precisa ser mantida. É claro que os tempos mudaram e a Chape também mudou, mas os valores precisam ser mantidos e acho que o torcedor tem feito a sua parte”, diz o aposentado Vilson Vanzin, de 68 anos, que viajou de Santiago do Sul (SC) até Chapecó para prestar sua homenagem.
No acidente com o voo da Lamia em 2016, morreram além dos jogadores e jornalistas, 25 integrantes da comissão técnica e convidados, a maioria empresários que apoiavam o clube desde sua formação, totalizando 71 mortos.
Para o cinegrafista Paulo Zezak, de 55 anos, que acompanha a trajetória do clube desde 1988, o sentimento dos torcedores tem justificativa. “Ficou uma lacuna. As pessoas que morreram no acidente tinham a capacidade de entender o ‘DNA’ do torcedor. Com a ausência dessas pessoas, o torcedor se sentiu e se sente ainda um pouco órfão. Isso é perfeitamente compreensível quando a gente fala de pessoas que administravam com muita experiência, mas principalmente com o espírito comunitário que é uma característica da nossa gente e que está presente em todas as iniciativas que deram certo em Chapecó.”
O ano de 2017 está chegando ao fim com motivos de sobra para comemorar. A permanência na Série A coroa o resultado de um trabalho intenso que exigiu muito. Por outro lado, a Chapecoense ainda não teve suas contas aprovadas pelo conselho fiscal. Há rumores de que não há consenso entre os 240 conselheiros. Ações na Justiça questionam o auxílio às vitimas e há duvidas sobre investimentos e aplicação de recursos.
Sobre o acidente, a luta das famílias em busca da indenização continua. Pelo menos duas associações foram criadas. Uma que busca auxilio para despesas do dia a dia e outra que busca na Justiça uma indenização de R$ 25 milhões que deveria ser paga pela seguradora do voo.
Nesta quarta, as homenagens terminaram com uma missa que reuniu milhares de pessoas, mas também houve homenagens anônimas, de torcedores, cada um ao seu modo buscando conforto para amenizar a saudade.