Torcedoras rivais se unem com corintianas e reforçam empoderamento feminino no futebol
Os protestos da torcida do Corinthians tiveram força suficiente para ganhar o apoio do universo feminino do futebol
São Paulo, SP, 05 – Os protestos da torcida do Corinthians, com forte participação das mulheres, tiveram força suficiente para, além de causar a demissão do técnico Cuca, ganhar o apoio do universo feminino do futebol. Inclusive de torcedoras de clubes rivais.
“Como palmeirense, a gente vê o time feminino do Corinthians, eu reconheço muito a história do Corinthians, a Democracia Corintiana, por isso essa cobrança da torcida em relação à postura do Corinthians foi maior”, afirma Sissy Cambuim, 40 anos, torcedora do Palmeiras e filiada ao Movimento Verde e Amarelo (MVA).
O MVA acompanha grandes eventos como a Copa do Mundo e promove debates sobre o futebol e a sociedade, com ênfase, entre outros temas, à participação das mulheres no futebol. Nesta quinta-feira, a entidade realizou o Futebol Meeting 2023, no shopping Parque da Cidade, em São Paulo.
Condenado a 15 meses de prisão, em 1989, na Suíça, pelos crimes de ato sexual com uma adolescente e coação, em 1987, Cuca, depois de passar por vários clubes, em mais de 30 anos, se viu obrigado a deixar o cargo no Corinthians em decorrência das manifestações da torcida, seis dias após sua chegada ao clube.
Ao analisar o atual contexto, Sissy acredita que o debate está mais amadurecido agora do que em outros tempos. Ela lembra que o machismo estava tão enraizado no futebol que nem mesmo essa imagem ligada às causas sociais, anos atrás, serviu para o Corinthians barrar a chegada do zagueiro Henrique, outro jogador que foi condenado junto com Cuca, e que ganhou três títulos com o clube nos anos 90.
“Não se pode esperar que em 2023 a gente fosse se posicionar da mesma forma que nos anos 90. Hoje há um nível de informação muito maior, a sociedade entendeu que não é só repudiar, é repudiar e não aceitar. Cuca já foi técnico do Palmeiras, o momento era outro, não tinha esse nível de informação e consciência e o processo era muito obscuro, não que estivesse certo, mas quando falamos de empoderamento feminino, termo do qual não gosto muito, hoje há mais conscientização social”, diz a palmeirense.
A torcedora ressalta que, neste tema que envolve todas as mulheres, o importante não é fazer o treinador pagar eternamente pelo crime pelo qual foi condenado. “Não podemos dobrar a pena, mas ele não a cumpriu. A cobrança é para que os clubes, que têm buscado ser empresas, tenham postura que as empresas precisam ter com os consumidores. Elas estão preocupadas em entregar uma política ESG (práticas sustentáveis e sociais). Devem saber que têm uma responsabilidade ainda maior porque a gente não é um consumidor de dinheiro, consumimos com paixão. Nosso capital é muito maior. Respeita as mina não é uma hashtag, é um lema”, observa a palmeirense.
MULHERES NO FUTEBOL
Segundo pesquisa do IBGE, o número de mulheres do Brasil chegou a 108,7 milhões de habitantes, 51,1% da população, em 2022. Pesquisa O Globo/Ipec, no mesmo ano, informa que cerca de 62% da população feminina é composta de torcedoras de futebol. A do Corinthians, segundo a pesquisa “DNA Torcedor”, do Ibope/Repucom, em 2020, era composta em 53% por mulheres e em 47% por homens, tendo a maior participação feminina entre os 20 clubes com maior torcida no Brasil.
Sissy acrescenta: “O consumidor do futebol é a sociedade, a mulher, a criança, a família. No jogo de futebol, a empresa de futebol – o clube – não está fazendo espetáculo para meia dúzia de homens que sentam numa mesa de bar ou que vão ao estádio. É para o povo brasileiro, é essa a importância que o futebol tem no Brasil e os clubes têm de ter consciência disso. Foi vendido como, mas não é, e nunca foi, para grupo de amigos homens, é uma atração, um esporte para a família”, destaca.
A torcedora do Santos, Camila Silva, de 30 anos, também integrante da ala feminina do MVA, foi mais uma que elogiou os protestos corintianos por ver neles um sentido prático da sociedade, que atinge muita gente. “Como mulher, eu me senti 100% representada pelos protestos das corintianas, ainda mais no futebol, um ambiente muito machista. É importante quando vemos clubes que efetivamente vestem a camisa dos direitos das mulheres, não só um discurso vazio. Acho que deixa muito claro não só nas palavras como nas atitudes, foi uma iniciativa 100% certa”, diz.
Para ela, situações como essa poderiam ter sido evitadas anteriormente. “Como santista, acho que talvez o Santos tenha falhando nisso quando o Cuca foi treinador, acho que talvez devesse ter tomado uma posição semelhante na época (mas tomou em relação a Robinho, condenado por estupro na Itália). Quando a gente fala do Corinthians, da representatividade, historicamente é um dos clubes que mais se posicionam neste sentido, tomaram atitude mais do que correta, toda essa situação requer um pulso firme. A torcida do Corinthians é uma das maiores e situações como essa não podem ser deixadas de lado”, observa.
ALERTA PARA OS CLUBES
Camila acredita que essa situação deve ser um marco para que o respeito aos direitos das mulheres seja critério fundamental na escolha de qualquer profissional de um clube de futebol. “Fica um alerta ligado, que vai além de apenas um discurso vazio para que efetivamente os clubes tomem atitudes em relação a isso. Não adianta só ter ações, movimentos de discurso pró-mulher se não há atitude. Que isso sirva de lição para que os clubes tomem os devidos cuidados quanto às contratações, não só apenas no futebol, que os clubes prestem atenção em relação aos discursos que apoiam e às atitudes que devem ser tomadas”, diz.
A são-paulina Tata Macedo, 38 anos, ressalta que a atitude da torcida corintiana se encaixa a um momento no qual o acesso à informação é bem maior, suficiente para compensar o erro da diretoria ao trazer o técnico Cuca. “A torcida do Corinthians se mostrou forte e decisiva como sempre foi e coerente com suas lutas históricas. O clube vem fazendo um trabalho importante na inclusão das mulheres no futebol, tanto das atletas e do apoio e fortalecimento do futebol feminino, quanto no incentivo às mulheres no estádio, às torcedoras, o respeito às torcedoras. O clube errou (na contratação), mas a torcida mostrou que certas atitudes são condenáveis e não mais aceitáveis em lugar nenhum”.
Para ela, o momento não é de questionamento em relação à passagem do treinador por vários clubes nas últimas décadas. “Muito se perguntou por que agora? Mas a pergunta, na verdade, é até quando? Antes tarde do que nunca. A gente tem de se posicionar, os valores não podem se perder, a torcida fez um trabalho importante, muito guerreiro, corajoso e mostrou que deu resultado”, diz.
Tata acredita que a reação da torcida servirá de referência daqui para frente. É um marco no futebol. Muito mais do que um recado. “Uma torcida tão grande como a do Corinthians, se posicionando, impondo o respeito às suas tradições, à sua história, acaba incentivando outras torcidas a também não deixarem que certas injustiças aconteçam. O São Paulo demitiu um jogador por uma denúncia de violência contra a mulher. Na inclusão das mulheres no futebol, o respeito deve ser incondicional. Que isso seja um alerta para os clubes de que certas coisas não são aceitáveis e a torcida está atenta”, diz.
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