Por que torcemos pelas zebras na Copa? Motivos vão além dos esportivos
Segundo especialistas, a explicação pode ser de ordens culturais, sociais, históricas e psicanalíticas
As chamadas ”zebras”, jogos em que o time considerado mais fraco derrota o favorito, vêm surpreendendo nesta Copa do Mundo. A eliminação da Espanha nas oitavas de final para o Marrocos, nos pênaltis, é o mais recente exemplo de uma lista que conta com vitórias do Japão sobre alemães e espanhóis, da Tunísia diante da França, do Marrocos em cima da Bélgica, de Camarões diante do Brasil e da Arábia Saudita sobre a Argentina.
Especialistas ouvidos pelo Estadão afirmam que a forma como se torce e para quem se torce não se resume apenas aos motivos esportivos, como desejar a eliminação de uma seleção rival, como a Argentina, ou de um time poderoso como o da tetracampeã Alemanha, para facilitar o caminho do Brasil ao hexacampeonato. Há também, segundo eles, explicações de ordens culturais, sociais, históricas e psicanalíticas que também ajudam a entender o comportamento de desejar a queda do considerado mais forte e a simpatia pelos azarões.
”Existem, obviamente, uma infinidade de fatores que vão interferir (na forma de torcer) e isso incide na subjetividade de cada um. Mas não significa que não haja padrões, como o comportamento da torcida pelo mais fraco”, explica o psicanalista Felipe Moura à reportagem.
ECONOMIA EMOCIONAL
A dupla de economistas Jimmy Frazier e Eldon Snyder, pesquisadores da Universidade de Bowling Green, em Ohio, nos Estados Unidos, tentaram investigar as raízes desse comportamento. Eles identificaram, na década de 90, que os motivos das pessoas torcerem para os atletas e equipes que têm menos chances de vencer estão relacionados ao que eles chamaram de ”Economia Emocional”.
O termo indica, em linhas gerais, que é preferível torcer para os mais fracos uma vez que, em caso de derrota, o tamanho da frustração tende a ser menor por se tratar de um resultado já esperado. E ainda por cima, se vencer, a sensação de prazer tende a ser muito maior, já que a vitória não estava prevista. É um “lucro emocional” em forma de felicidade.
Eles chegaram a essa conclusão depois de realizar um experimento, que consistia em apresentar a 100 estudantes dois cenários esportivos hipotéticos a partir do seguinte contexto: dois times, A e B, que não deveriam ser tratados como as equipes de preferência de cada um, se enfrentariam em uma disputa de melhor de sete. Ou seja, ganha quem vencer quatro jogos.
Na primeira situação, os estudantes foram informados de que a equipe A era mais forte e que era a grande favorita a vencer a disputa. A partir deste dado, 80% dos envolvidos no estudo escolheram torcer para o time B.
Entretanto, no segundo cenário fictício, a superioridade mudou de lado. Na hipótese do time B já ter conquistado três vitórias – faltando, portanto, apenas uma para ganhar a série de melhor de sete – metade dos estudantes mudaram de ideia e passaram a torcer para o time A, que estava em larga desvantagem na disputa.
A partir do comportamento identificado, Frazier e Snyder chegaram ao termo de Economia Emocional que, na prática, significa que os torcedores tendem a direcionar a sua torcida para a situações que trarão mais prazer e, ao mesmo tempo, menos frustrações – mesmo que as chances de perder para o favorito sejam maiores.
Como é mais esperado que o mais fraco seja derrotado, o sentimento de frustração quando isso vem a acontecer é menor. Por outro lado, quando a equipe ou o atleta inferior conquista um resultado improvável e que não estava no roteiro, a sensação de prazer vai lá em cima.
POSSIBILIDADE DE PRESENCIAR A HISTÓRIA
Para Irlan Simões, jornalista, doutor em comunicação e pesquisador da cultura da torcida no futebol, o hábito de torcer para as seleções mais frágeis pode ter origem na relação das pessoas com os clubes e também na expectativa que o público cria para vivenciar algo histórico.
Experiências que, na sua avaliação, o futebol tem muito potencial para proporcionar. ”No futebol de clubes, há sempre a torcida por um desastre, por uma zebra. É o gosto de ver o maior perder e a história sendo feita. E o futebol permite proporcionar isso em grande escala e gerar resultados imprevisíveis”, diz o pesquisador. ”Imagina se o Japão vencesse a Espanha e a Costa Rica derrotasse a Alemanha e os dois se classificassem? Seria maravilhoso”, comenta.
CONVENIÊNCIA
Já o coordenador do Grupo de Estudos e Pesquisas em Esporte e Humanidades (Gepeh) da Unicamp, o educador e professor pela mesma universidade, Sérgio Giglio, entende que a torcida pelas zebras nas Copas do Mundo tendem a acontecer contra seleções específicas, como as tradicionalmente mais fortes e que já conquistaram um Mundial.
”Torcer pela zebra tem a ver com as seleções que podem trazer maiores problemas para quem estamos torcendo. Alguns podem dizer que é legal ser campeão do mundo ganhando de grandes equipes. Mas muitos vão dizer que é mais legal ser campeão independente do jeito que for”, afirma Giglio, que também é editor do Ludopédio, um site que reúne estudos acadêmicos sobre futebol.
Ele lembra que muitos brasileiros estavam torcendo pelo Japão contra a Costa Rica na segunda rodada da fase de grupos da Copa do Catar. Uma vitória dos japoneses sobre os costa-riquenhos, que não eram os favoritos naquela partida – tinham perdido por 7 a 0 da Espanha no jogo anterior – praticamente empurraria a Alemanha para uma desclassificação ainda mais precoce (os alemães foram eliminados na partida seguinte).
O sentimento de torcer para o mais fraco, entende Giglio, não falou mais alto neste caso. Como o que estava em jogo também era a eliminação de uma seleção que poderia ameaçar o sucesso do Brasil no Mundial, a torcida se guiou pela conveniência de desejar o que seria melhor para a seleção brasileira.
DESTRONAR O MAIS FORTE
Torcer por zebra pela conveniência de facilitar a vida do Brasil na Copa é algo natural e que realmente está presente, segundo o psicanalista Felipe Moura. ”Mas não podemos dizer que é só isso”, afirma. Para ele há também forças de natureza inconsciente que agem sobre os torcedores.
Segundo a análise de Moura, quando uma figura muito potente, como um atleta ou uma equipe, sofre uma queda, ela deixa de ser, no plano inconsciente das pessoas, uma espécie de divindade sem falhas para se tornar humana e igual aos demais. ”Quando ocorre essa humanização, aquele que cai está caindo para um degrau semelhante ao meu. Então, a partir deste momento, eu posso me candidatar a um posto mais alto”, explica.
Este posto, diz Felipe Moura, representa um espaço de poder e soberania em uma comunidade. Uma espécie de ”trono” que as pessoas, de forma inconsciente, almejam sentar. ”Historicamente, o futebol no Brasil é um dado cultural muito masculino. E há um traço das neuroses masculinas nas quais existe uma figura de poder e autoridade à frente de uma determinada aldeia. A queda dessa figura – no caso, a derrota de uma equipe forte – representa a possibilidade para os outros de acessarem este trono, este poder.”
Felipe Moura vive na Itália. E, para dar materialidade aos conceitos psicanalíticos que apresenta à reportagem, ele cita um exemplo de um jogador que, durante a carreira, passou pelo país onde mora. ”O Maradona, quando jogou no Napoli, foi um jogador capaz de conduzir um time pequeno, com baixo histórico vencedor no país, a sentar neste trono”, lembra.
Nas décadas de 80 e 90, o craque argentino levou a equipe de Nápoles, que estava longe de ser uma das mais fortes da Itália na época, a dois títulos do Campeonato Italiano, a um da Copa da Itália e a um da extinta Copa da Uefa (atual Liga Europa), superando equipes mais fortes e de maior poder econômico, como Inter de Milão, Milan e Juventus.
REPARAÇÃO HISTÓRICA
No maior torneio de futebol do mundo, duelos entre seleções de países com o passado colonialista, de dominação territorial ou de conflitos religiosos, bélicos, geopolíticos e culturais também acontecem. A possibilidade de usar o futebol como dispositivo de reparação e resistência às conflagrações também tem servido de argumento para ”vestir a camisa” de algumas seleções e torcer contra outras.
Um tuíte viralizou nos primeiros dias de Copa do Mundo com uma orientação sobre ”como torcer” no Mundial, seguida de uma lista: ”1: Se é país latino-americano contra europeu, torcer para o país latino. 2: Se é país africano contra europeu, torcer para o país africano. 3: Se é país asiático contra um europeu, torcer para o país asiático.”
”No quadro geral da geopolítica”, diz Sérgio Giglio, da Unicamp, ”quando os países que foram colonizados vencem os que colonizaram, eles mandam uma mensagem de resistência, como se quisessem dizer: ‘fomos explorados ao longo da história, mas neste momento e neste jogo, nós fomos melhores’. É um grito de resistência”.
Para o psicanalista Felipe Moura, essas motivações se juntam ao desejo inconsciente de destronar os mais poderosos e surgem nos lugares onde há ”comunidades com maior consciência, educação e conhecimento” acerca de história geopolítica, colonialismo e imperialismo.
”Nestes espaços, os componentes de reparação (na ato de torcer) vão aparecer”, diz Moura, afirmando, inclusive, que esses argumentos poderiam até se sobrepor a rivalidades históricas. ”Um brasileiro com maior consciência política tenderia a ficar mais feliz com a vitória da Argentina sobre a Inglaterra (na Copa de 1986) pouco depois da Guerra das Malvinas.”
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