Pesca de pérolas foi principal economia do Catar e faz parte da cultura local

O catariano, nascido em 1942, é um dos poucos remanescentes da última geração de pescadores locais

Entre os séculos 18 e 19, o comércio do item chegou a ser a principal economia nacional

Pesca

São Paulo, SP, 29 – Saad al-Jassim adora falar sobre o passado e como ele dedicou boa parte de seus 80 anos a mergulhar nas águas da Península Arábica em busca de ostras que pudessem conter pérolas. O catariano, nascido em 1942, é um dos poucos remanescentes da última geração de pescadores locais que buscavam sustento assim. Entre os séculos 18 e 19, o comércio do item chegou a ser a principal economia nacional, sendo utilizado para confeccionar joias para a realeza da Europa. A partir do século 20, com o petróleo e o gás natural descobertos e o desenvolvimento da indústria japonesa de pesca, se arriscar em longas jornadas no mar ficou desinteressante.

Hoje dono de uma loja que comercializa joias feitas de pérolas em local de destaque no Souq Waqif, o mercado de Doha, Saad relembra que começou no ofício ainda criança, aprendendo todas as funções que existiam nos barcos de pérolas, até se tornar profissional, aos 18 anos. “Viajávamos em um barco grande, o dhow, com 20 mergulhadores e 20 ajudantes para segurar uma pedra no chão e ir descendo a corda para que o mergulho acontecesse em segurança e pudéssemos retornar à superfície. Tínhamos de dois a quatro minutos para descer até 15 metros e recolher o máximo de ostras que conseguíssemos em uma rede pendurada ao pescoço. E isso era do nascer ao pôr do sol, em jornadas que duravam até quatro meses.”

No barco, sempre havia um cozinheiro, um Nahham, pessoa responsável por entreter a tribulação a bordo tocando, cantando e incentivando os pescadores (Ghawas). Ele chamava a todos para os cinco momentos de reza diária previstos na religião muçulmana. Também havia um capitão, o Nakhudhah. Por conta dos altos riscos envolvidos na atividade, cada trabalhador usava proteções nos dedos, um prendedor próprio para nariz, que evitava que a água entrasse, além de uma roupa para proteger o corpo das pedras e corais. Alguns, como Saad, preferiam mergulhar sem ela, por deixar o corpo mais leve na água.

MUDANÇAS DE ROTA
Até a década de 1930, o Catar era ponto certo para se buscar as pérolas mais bonitas para a confecção de joias, como coroas, colares e anéis que enfeitavam a realeza europeia e a elite que vivia o período da Belle Époque. Muitos mercadores catarianos fizeram fortunas com esse tipo de comércio e, quanto maior ou de formato mais difícil elas fossem, mais dinheiro valiam. Só que com a descoberta de petróleo e, posteriormente, gás natural, a economia nacional passou a se diversificar e o Catar se beneficiou com uma injeção de investimentos para desenvolver o país.

Junto a esse quadro, os japoneses também passaram a desenvolver uma forte indústria de pérolas e com pesca industrializada, o que fez o interesse de formar novas gerações de pescadores de pérolas catarianos fosse desaparecendo. Na cidade litorânea de Al-Wakra, onde havia intensa atividade ligada ao setor, só restou um monumento que homenageia a antiga economia nacional. Caminhando pelo mercado, não se encontra nenhuma loja ou pescador remanescente que mantenha um comércio dedicado ao item.

A comerciante Sharja Malid explica que ainda é possível comprar pérolas no Catar, mas não como se era feito há 100, 80 anos. “Se importam bastante pérolas japonesas. Os comerciantes catarianos que vendem o item, seja como colar, pedra solta ou souvenir, também compram dos imigrantes que viajam para cá e se arriscam a tentá-las encontrar nas águas do Golfo Árabe.”

Hoje, a pérola é mais um símbolo de construção do país e de uma memória afetiva dos catarianos dos tempos em que seus antepassados faziam dos perigos do mar sua vida, uma forma de sustento e a busca por enriquecer. Na nota de um rial, o Banco Central do Catar homenageia a antiga atividade comercial dos catarianos. Na Corniche, orla no centro de Doha, há uma grande estátua de uma ostra com pérola dentro e, na vila cultural Katara, é possível comprá-las por 500 rials (R$ 730).
Um dos condomínios mais nobres da capital, construído sobre duas ilhas artificiais, foi batizado de A Pérola. Do céu, a arquitetura dele, muito procurado por estrangeiros para viver no país e que atualmente também recebe árabes endinheirados, forma o desenho de ostras fechadas com uma bolinha reluzente no meio.

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