Paulistão: Campeonato com mil internos da Fundação Casa acontecerão em preliminares
Na reta final do torneio, jogam em estádios como Moisés Lucarelli, Vila Belmiro e Canindé, com a mesma estrutura dos times profissionai
Na reta final do torneio, jogam em estádios como Moisés Lucarelli, Vila Belmiro e Canindé, com a mesma estrutura dos times profissionai
São Paulo, SP, 05 – Em oito preliminares do Campeonato Paulista, aqueles jogos que acontecem antes dos jogos principais, o futebol significa um momento de liberdade para os atletas. Literalmente. São os jogos da Fundação Casa (Centro de Atendimento Socioeducativo ao Adolescente), antiga Febem, que trata da recuperação de menores infratores. A Copa Casa ajuda os adolescentes no processo de reintegração à sociedade. “É minha chance de ser olhado e arrumar um futuro quando sair”, diz Sandro (nome fictício), um dos destaques do torneio e que está em fase de testes na base do XV de Piracicaba.
Neste ano, participam do torneio 1.250 adolescentes, de 12 a 21 anos, de 82 centros de internação de várias partes do estado. Com o apoio da Federação Paulista de Futebol, o torneio oferece o “pacote completo” para os adolescentes. Com autorização judicial, eles podem sair para treinar fora dos muros do centro. Na reta final do torneio, jogam em estádios como Moisés Lucarelli, Vila Belmiro e Canindé, com a mesma estrutura dos times profissionais das Séries A1 e A2. Depois de atuar, eles assistem às partidas principais – os ingressos, assim como troféus, arbitragem e o local dos jogos são oferecidos pela FPF.
“O futebol tem a obrigação de ser uma ferramenta social. Com a Copa Casa, damos um passo nesse sentido. A FPF e os clubes apoiam a causa e enxergam nela um importante processo de reintegração e ressocialização dos jovens”, opina Reinaldo Carneiro Bastos, presidente da FPF.
Tudo acontece com as restrições previstas em lei para adolescentes em regime de internação – a maioria por tráfico de drogas. Nos estádios, o esquema de segurança é definido em reuniões prévias com a FPF. O número de agentes de segurança varia de centro para centro. Em geral, são cinco, além do diretor e um professor de educação física. Os adolescentes entram sempre pelo portão mais próximo do vestiário e são vigiados pelo mesmo efetivo da PM para o jogo principal.
No final da partida, eles sobem para a arquibancada e assistem à partida em um espaço reservado. Os organizadores garantem que nunca houve incidentes nos estádios e nos treinos em 14 anos de torneio. “Eles estão preparados para a atividade, pois apresentam boa avaliação em todos os quesitos”, diz Christian Lopes de Oliveira, diretor da Fundação Casa na capital.
O torneio está inserido em um projeto mais amplo. Não é só a competição pela competição. Cada adolescente possui um Plano Individual de Atendimento com um calendário de atividades esportivas e pedagógicas, que incluem Olimpíada de Matemática, por exemplo. Nesse plano, uma equipe multiprofissional avalia os adolescente do ponto de vista pedagógico, psicológico, social e de saúde. “Se ele não participa das outras atividades socioeducativas, ele não pode jogar”, explica Carlos Alberto Robles, gerente de Educação Física e Esportes. “Queremos abrir oportunidades e formar cidadãos”, diz o ex-lateral Zé Maria, assistente de Direção da Fundação Casa.
BOA OPORTUNIDADE
Antes das partidas do torneio, cada unidade organiza seus treinos. Na capital, eles acontecem uma vez por semana no campo do Benfica, ali na Vila Maria. Também com autorização judicial, os meninos chegam em silêncio, em uma van branca, com quatro agentes de segurança. O treino tem a parte física, técnica e tática, como uma escolinha. Se alguém quer ir ao banheiro, é preciso a companhia de um agente. Se um atleta dá uma bicuda, o agente vai buscar a bola. É proibido chegar perto do muro. Por outro lado, não há algemas ou tornozeleiras. De propósito. “O projeto faz com que eles sintam o gosto da liberdade e se esforcem para conquistá-la”, diz Robles.
Eles sentiram esse gosto vivo na quinta-feira. Um dos companheiros, Manoel (outro nome fictício) foi se despedir depois de cumprir um ano e dois meses por furto qualificado. Na hora dos abraços, ele perguntou se poderia voltar para jogar. “Claro que não, né?!”, sorriu o agente. Essa proximidade com a liberdade, ali, com o companheiro de cárcere, deixou os meninos alegres. E bem-humorados.
Quando Manoel ia lá longe, perto do portão vermelho de ferro, a última tranca da rua, um dos colegas gritou: “Cuidado para não ser roubado lá fora!”.