Para torcedoras, assistir à Copa do Mundo feminina no trabalho é uma questão de pertencimento

A discussão sobre o ponto facultativo na Copa do Mundo Feminina ganhou força

Brasil estreou com o pé direito
Brasil estreou com o pé direito

Campinas, SP, 24 – Durante a Copa do Mundo, assistir aos jogos da seleção brasileira masculina de futebol durante o expediente do trabalho é prática comum. Com exceção do Mundial de 2002, onde o torneio foi realizado no Japão e na Coreia do Sul e, por causa disso, ocorria durante a madrugada no Brasil, todos as outras edições foram vistas de forma sistemática em ambientes profissionais, com festa e preparação na véspera aos jogos da seleção.

Quando o assunto é a Copa do Mundo feminina, no entanto, a situação costumava ser diferente. Mesmo durante a edição de 2007, quando o Brasil chegou à final e foi vice-campeão, poucas foram as empresas que liberaram seus funcionários para assistir aos jogos da seleção ou disponibilizaram o espaço corporativo para que a partida fosse vista pelos colaboradores.

Algo está mudando para o Mundial de 2023. Com o crescimento do futebol feminino, a popularização da modalidade e o aumento da oferta da exibição do torneio, a discussão sobre o ponto facultativo na Copa do Mundo ganhou força. A ministra do Esporte Ana Moser se posicionou abertamente a favor da medida e o presidente Lula (PT) decretou a adoção de ponto facultativo para servidores públicos federais em dias de jogos do Brasil.

O cenário ainda não é o mesmo do evento masculino. Em pesquisa com a população, realizada pela Zoox Smart Data, apenas 10% das pessoas confirmaram que serão liberadas pelas empresas para ver os jogos da seleção brasileira de Marta e Ary Borges. Mas isso não significa que alguns lugares não tenham adotado uma nova tradição.

Na estreia brasileira contra o Panamá, que ocorreu na manhã desta segunda-feira, dia 24, Bia Albiero e Suzana Barbosa assistiram pela primeira vez Marta e companhia jogar enquanto trabalhavam. Bia é coordenadora de ciência de dados e Suzana é líder do time de Analytics e Data Science do will bank e ambas são apaixonadas pelo futebol feminino. Segundo as duas, a modalidade não é somente um hobbie para elas, mas um importante componente social na vida de ambas.

“É uma questão de pertencimento”, afirma Suzana ao relatar a importância da paralisação para o torneio feminino. “Antes não havia visibilidade, no máximo na Copa do Mundo ou na Olimpíada. Era impossível acompanhar um campeonato, mas conforme as mídias sociais foram surgindo, a modalidade cresceu e o interesse aumentou”, diz ela, explicando os motivos pelos quais entende que essa edição do torneio está repercutindo de maneira diferente.

O escritório do will bank, localizado em São Paulo, ficou aberto para os funcionários que quisessem assistir a partida em companhia dos seus colegas de trabalho. Para Bia, esse tipo de movimento é importante, pois incentiva o interesse do público. “Se a gente quer que as meninas tenham os mesmos salários dos homens, isso tem de começar com a nossa torcida. Quanto mais a gente torcer, melhores patrocínios elas terão. O país do futebol não pode torcer só por seus garotos.”

Ainda de acordo com a coordenadora de ciências de dados, esse é um momento especial para os fãs de futebol feminino, além de ser uma oportunidade para aqueles que não estão familiarizados com a modalidade conhecerem as jogadoras. “Do mesmo jeito que falamos do Richarlison quando ele fez dois gols na estreia da Copa do Catar, hoje falamos da Ary Borges. Ela ficou mais conhecida, isso amplia o alcance do esporte.”

“É uma sensação de pertencimento. Ver que algo tão importante para mim que está tendo visibilidade no local onde eu trabalho é incrível”, complementou Suzana. Para Rafael dos Anjos, coordenador de RH do banco digital, a possibilidade de assistir a partida no escritório com os colegas gera uma conexão e uma troca genuína entre os profissionais. “Também é uma forma de discutir questões de gênero e, acima de tudo, estabelecer e fortalecer afinidades.”

PAIXÃO PELO FUTEBOL

Engana-se quem acredita que Bia e Suzana assistem apenas ao futebol. Ambas fazem parte do Tamanca FC, uma academia de futebol feminino amador de São Paulo. Bia, que é corintiana, e Suzana, que é fluminense, têm histórias completamente diferentes quando o assunto é futebol. Enquanto a carioca era incentivada a jogar bola por sua família, os pais da paulista brigavam com ela caso a vissem praticando o esporte. “Eu não podia jogar bola com os meninos. Por causa disso, não consegui aproveitar minha paixão”, disse Bia. Em 2022, ela procurou Suzana e perguntou se a amiga conhecia algum lugar para retomar o antigo sonho.

A carioca, que já jogava no Tamanca FC, apresentou a academia para a colega e ambas passaram a frequentar o local religiosamente. “O Tamanca não é um time competitivo, nós só queremos um espaço seguro para jogar bola. É um esporte de muito contanto, de muita lesão, mas no nosso clube nós não estamos lá para machucar ninguém. Além disso, é um lugar para você encontrar pessoas que curtem aquilo que você ama”, disse Suzana. Ela afirmou que a atual febre entre as jogadoras do time é a troca de figurinhas do álbum da Copa do Mundo feminina, da Panini.

“O futebol é como uma terapia para mim”, revela Bia. “É o momento de correr, de suar, de estar presente e de aprender coisas novas. A confiança que desenvolvi em campo transbordou para minha vida. Não é só um esporte.” Se a paulista só conseguiu realizar o sonho de jogar bola depois da infância, a carioca sempre foi incentivada pelos pais. Suzana, no entanto, entende que nem todos têm essa sorte e acredita que a popularização do Mundial pode beneficiar inúmeras garotas. “A visibilidade é importante para as meninas que estão acompanhando a Copa e têm o sonho de jogar futebol. Elas vão conseguir realizar isso com maior facilidade, terão modelos para se espelharem e encontrarem inspiração.”

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