ONG aproveita jogos da seleção brasileira na Copa para promover inclusão
A aposta é criar uma rotina de encontros para estreitar contato e fazer amizades
A goleada da seleção brasileira diante da Coreia do Sul foi comemorada por um grupo bem diverso em um apartamento na Vila Nova Conceição, zona sul da cidade. No 10.º andar, adolescentes com deficiência física e intelectual e jovens sem deficiência assistiram ao jogo, todos juntos. Na sala decorada com bandeiras do Brasil – até no sofá – não dava para diferenciá-los. Foi apenas um “rolê” de amigos na Copa, como descreveu uma das participantes.
Era isso que queria a ONG Friendship Circle ao reunir o grupo: promover a inclusão por meio da convivência entre diferentes, pessoas com deficiência e voluntários. A aposta é criar uma rotina de encontros para estreitar contato e fazer amizades.
“A inclusão social, os laços de afeto e amizade são consequências dessa convivência”, explica a educadora Beila Shapiro, fundadora da ONG no Brasil. A entidade está presente em diversos países, com grande notoriedade nos Estados Unidos. No Brasil, ela vai completar dez anos em 2023, reunindo 91 crianças e jovens participantes e 174 voluntários.
Fazer amigos é desafiador para jovens com deficiência, como conta Margarete Elias, de 67 anos. Por isso, esse encontro foi especial. Ela é avó do Lucas, 22 anos, e da Fernanda, 33, ambos autistas. Eles quase nunca são convidados para eventos na casa de alguém. Preconceito. Falta de informação. Com isso, a integração se resume aos eventos escolares. “Se não fosse esse grupo, nós assistiríamos ao jogo sozinhos em casa. Fomos abraçados”, conta a avó.
Essa foi a mesma percepção da anfitriã, a design de interiores Cristina Barbara. Ela é mãe da confeiteira Rafaella Barbarra, de 24, que possui deficiência intelectual leve. Foi o primeiro evento que receberam. “Foi um momento bem diferente aqui em casa. Foi alegre, solto e descontraído. A questão social é difícil para eles. A Rafa estava precisando disso.”
Rafa fez questão de conversar com todos, oferecer água e refrigerante e, por isso, até perdeu o primeiro gol. “Quem fez o gol. Alguém viu?”.
Esse grupo já se conhecia. O voluntário Gustavo Valese, vestibulando de 19 anos, conta que eles já foram ao boliche e planejam ir ao parque. Em outro formato de encontro, uma dupla de voluntários participa das festas de aniversário. A ONG beneficia pessoas com deficiência física, visual, auditiva, intelectual, psicossocial. Antes dos eventos, os voluntários passam por um processo de capacitação que inclui palestras e acompanhamento com a equipe técnica da entidade. “A gente ajuda ganhando amigos. Tem um jeito melhor de se relacionar?”, pergunta o voluntário Michel Cyrulin, de 19 anos, estudante de Administração.
PÚBLICO ALVO DA ONG
O foco são as crianças e jovens até 25 anos que, em tese, têm grande potencial de evitar vieses preconceituosos e adotar comportamentos inclusivos na escola e no mercado de trabalho.
Estimular que os jovens com deficiência sejam autônomos é uma das premissas. Fernanda fez as pulseirinhas e Lucas, um dos mais animados, respondeu às mensagens de WhatsApp. Durante o encontro, Maria Tereza, em cadeira de rodas, teve de cortar sua própria fatia de bolo de chocolate. Cortou, comeu e gostou.
Para Marina Tacla, voluntária que estuda Terapia Ocupacional, essa experiência complementa seu curso, que não possui disciplinas práticas no primeiro ano. É uma troca. Ela aprendeu com o amigo Lucas Albuquerque, autista, a importância de outras formas de comunicação. “A gente ficou um tempo sem se encontrar, mas ele se lembrou de mim e me abraçou”, diz a universitária que integra o grupo há 1,5 ano.
Contemplar as pessoas que se relacionam com os jovens com deficiência é uma prática adotada no ensino público. Escolas de Ferraz Vasconcelos, na Grande São Paulo, são parceiras da entidade desde 2020. Na escola Nurimar Martins Hiar, unidade com 804 alunos, as professoras do Atendimento Educacional Especializado (AEE) colaboram com as professoras da sala regular, com atendimento no contraturno escolar para 25 crianças. O atendimento é feito por professoras habilitadas a trabalhar com esse público (Transtorno do Aspecto Autista, deficiências sensoriais, intelectual, física e altas habilidades/superlotação.
O foco também está nas famílias dos alunos com deficiência. A ONG realiza mensalmente oficinas e palestras. “Nos preocupamos com o acesso dessas crianças, mas com sua permanência com qualidade. Para isso é fundamental considerar a equidade no processo educativo”, diz a gestora Educacional Fabíola Souza Guedes Lisboa.
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