"O VAR está apitando jogos", diz presidente da associação nacional dos árbitros

As polêmicas sobre o uso do equipamento aumentam a cada rodada

var jogo
VAR está sendo alvo de críticas (Foto: Thomaz Marostegan/Guarani FC)

São Paulo, SP, 16 – Três anos depois de o VAR (árbitro assistente de vídeo) ser introduzido no futebol brasileiro, as polêmicas sobre as decisões da arbitragem continuam a prevalecer. A última, motivada por uma decisão do árbitro Vinícius Gonçalves, que marcou um pênalti para o Flamengo no jogo contra o Bahia, provocou a demissão de Leonardo Gaciba da presidência da CNA (Comissão Nacional de Arbitragem) da CBF, na última sexta-feira.

Para Salmo Valentim, presidente da Anaf (Associação Nacional dos Árbitros), mais do que os nomes escolhidos para o cargo, agora ocupado interinamente, o mais importante é uma reformulação ampla da arbitragem.

“A CBF investiu alto no VAR, mais de R$ 60 milhões neste período, e, apesar disso, aqueles que preparam os árbitros não estão qualificados. Falta gestão na arbitragem. Quem está tomando a maioria das decisões é o VAR. Os árbitros de vídeo interferem quando não devem e deixam de interferir quando devem. O VAR está apitando os jogos de futebol”, critica.

Tal situação, segundo Valentim, tem ocorrido na grande maioria dos jogos no País e contraria o principal conceito do VAR, a autonomia do árbitro de campo para tomar a decisão. Para ele, há muita intimidação também quando as pessoas que operam os aparelhos de imagem chamam o juiz de campo para a cabine.

“Os árbitros brasileiros estão expostos. Até em lances interpretativos, o que não é a recomendação, eles têm sido influenciados por opiniões da cabine. Está faltando autoridade para os árbitros do campo”, diz o especialista, disposto a ajudar caso a CBF precise da associação que preside.

“Estão deixando os árbitros muito acuados diante de posturas agressivas dos jogadores, reclamações, pressão o tempo todo. Os árbitros estão com medo. Quase todas as decisões deles seguem a sugestão do VAR. Temem contrariar o que diz o VAR, com medo de não serem chamados na próxima escala”, observa.

PERDE DINHEIRO

Não ser requisitado na escala implica em perda de dinheiro. Árbitros da Série A, com chancela da Fifa, ganha R$ 5 mil a cada 90 minutos de trabalho. Têm as despesas de viagem, hotel e alimentação bancadas pela CBF, por exemplo. Quando atuam nos regionais, as contas são pagas pelas Federações estaduais. Os que não são chancelados pela Fifa ganham R$ 3.600 por jogo.

TAVA NA HORA

Salmo considera positiva a saída de Gaciba, que estava sendo muito criticado por não vir à público e dar explicações sobre os problemas com a arbitragem. Pior do que isso: ele tinha convicção de que estava tudo bem com a arbitragem brasileira e não estava. Mas ele também não se mostrou satisfeito com a nomeação de Alício Pena Júnior para ocupar o cargo como interino.

“A gestão de Gaciba estava causando a execração para todos os árbitros e assistentes brasileiros. Mas essa mudança precisa ser estrutural. Não adianta mudar a cabeça e não mudar o corpo. Esse grupo que está à frente da arbitragem, inclusive a pessoa que vai substituir Gaciba de forma interina, está há quase uma década na Comissão Nacional sem qualquer resultado significativo para a arbitragem brasileira”, diz.

As mudanças precisam ser mais profundas, segundo ele.

“Gaciba não é o único responsável. O cenário é de ‘terra arrasada’ e exige uma oxigenação completa dos quadros da CNA. Com os ‘mesmos de sempre’, as soluções não passarão de paliativas. São urgentes novos nomes, que tenham conhecimento técnico, profundidade em gestão, espírito de liderança e, principalmente, um projeto claro e sólido de desenvolvimento para a arbitragem nacional”, destaca. “Só trocar o chefe não adianta.”

CONSULTA AO VAR

Entre as mudanças implementadas em 2020 pela IFAB (International Football Association Board), está a recomendação de que “sempre que o incidente revisado seja suscetível a considerações subjetivas, o árbitro deve revisá-lo no monitor à beira do campo”.

Isso não contraria a determinação inicial, incluída no manual da CBF, de que o VAR somente deve se envolver quando um incidente ou erro do árbitro foi óbvio o suficiente. Ou seja, a recomendação é para que apenas o árbitro tome a iniciativa de consultar o VAR nestes casos. A intervenção dos árbitros da cabine continua a não ser recomendada nestas situações interpretativas.

“E o que tem ocorrido é o contrário. As polêmicas da arbitragem deixaram o campo e se transferiram para o VAR. Na Europa isso acontece em um grau muito menor. A falta de orientação e critério na condução do VAR, uma ferramenta que era para ser transformada num alento, se tornou um problema geral. Gerou desconfiança. O papel do VAR é o de menor interferência possível”, destaca Valentim. Para ele, o árbitro de cabine também não deve ser considerado o responsável.

“Trata-se de um árbitro como o do campo. Nenhum deles é o culpado. O problema está na gestão. A questão não é chamar ou não o árbitro para a revisão. A questão é de onde vêm as instruções para cada situação. É preciso haver capacitação e clareza de critérios na gestão”, observa. Para o árbitro da CBF, Zandick Gondim Alves Júnior, o VAR é um instrumento importante, que dá ao árbitro de campo uma sensação de maior tranquilidade, independentemente de quem comanda o CNA.

“Para a arbitragem continua do mesmo jeito, precisamos entrar no campo e tomar a decisão de qualquer lance dentro dele. A diferença é que, em jogos com o VAR, teremos uma nova chance em caso de um erro de tomar uma nova decisão para o determinado lance. Isso trás mais segurança para o árbitro, ou deveria, mas o desejo é sempre acertar sem o uso da tecnologia”, diz.

No caso do jogo entre Flamengo e Bahia, o árbitro Vinicius Gonçalves seguiu justamente a determinação de chamar para si a decisão. Interpretou que a bola tocada pelo meia Diego, do Flamengo, resvalou no braço do zagueiro, assinalando o pênalti. Contrariou assim a grande corrente dos que consideraram que a bola tocou apenas no peito do jogador. Mas, para Gonçalves e algumas outras pessoas, não. E Gaciba caiu, ironicamente, porque, no VAR do futebol brasileiro, até o óbvio se tornou interpretativo.

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