Milton Neves na CBF!
Atendendo a pedidos (e a algumas ameaças de meu Editor) vou, enfim, dar minha opinião a respeito da pífia campanha da seleção brasileira na Copa da Alemanha.
Atendendo a pedidos (e a algumas ameaças de meu Editor) vou, enfim, dar minha opinião a respeito da pífia campanha da seleção brasileira na Copa da Alemanha.
Não fi-lo antes porque concordo com o que os mais esclarecidos já disseram a respeito:
1. Parreira perdeu o controle sobre as “celebridades” da seleção (Cafu, Roberto Carlos e os dois Ronaldos) e se tornou refém deles.
2. Parreira mostrou uma faceta até então pouco conhecida de seu temperamento: a fraqueza de personalidade, a tibieza, a falta de pulso para encarar e afastar do time titular os veteranos da Copa passada.
3. Parreira também mostrou que é um treinador superado, que preparou pessimamente a seleção no aspecto tático. E, sendo professor de Educação Física, pecou também por não ter acompanhado o trabalhado nesta área, que se mostrou igualmente sofrível, para dizer o mínimo.
Ora, criar um sistema tático e contar com jogadores que possam executá-lo é o bê-a-bá de um treinador. Impossível neste instante não recordar o fato de Parreira, pouco antes da Copa, ter lançado um livro sobre estratégias que, na verdade, era um plágio descarado da obra menor de um obscuro treinador inglês.
4. Lógico: faltou também garra e determinação aos jogadores, que mais pareciam as modelos que eles namoram rebolando nas passarelas da moda do que atletas cujo objetivo seria uma disputa permanente de choque, viril, corpo a corpo praticamente durante 90 minutos.
5. É evidente ainda que, possuindo apenas 3 jogadores que atuam no Brasil (eram 2 num total de 23, enquanto Edmilson não foi cortado), criou-se uma situação de absoluto divórcio de expectativas e sonhos dos jogadores “brasileiros globalizados” em relação a estes mesmos sentimentos da torcida brasileira.
Para quem vive aqui, a Copa do Mundo é algo extraordinário, para nossos “super-stars” um enfadonho torneio que os aprisionava em castelos suntuosos. Claramente o que era vital para milhões, transformou-se em “mais um jogo apenas” para o nosso “dream team”.
6. Outra coisa: você já parou para pensar que, praticamente desde os 17 anos de idade, Ronaldo gorducho vive fora do país? Ou seja, ele é mais europeu do que brasileiro.
Bem, estas são as principais conclusões a que, acredito, você também chegou.
Mas, e daí?
Como mudar o panorama?
Nossos jogadores não vão parar de pensar 24 horas por dia em se transferir para o exterior, os convites para jogar lá continuarão acontecendo, o nível cultural dos mesmos não mudará a curto prazo e eles continuarão se desbundando com carrões, loiras artificiais e morenas estonteantes que posam para a Playboy e com a chance de possuírem quatro celulares de uma só vez.
Ninguém os fará abrir mão das benesses que a grana em alta escala lhes proporciona.
E se estas facilidades os afastam do jogador-símbolo que povoa o ideário do torcedor, o que fazer?
A resposta é uma só:
Precisamos de um Choque de Administração na Seleção Brasileira.
Guardadas as devidas proporções, em 1966 também montamos uma seleção que era a favorita para ganhar a Copa, que possuía, de verdade, os melhores jogadores do mundo, inclusive Pelé e Garrincha, e curtimos um fiasco histórico na Inglaterra não passando nem das oitavas de final e isto quando as oitavas eram, na prática, uma fase eliminatória, correspondente a fase inicial do torneio de nossos dias.
Em 58 e 62 havíamos conquistado a Taça com uma direção forte no futebol, a cargo de Paulo Machado de Carvalho. João Havelange, o presidente da então CBD, jamais tivera intimidade com o futebol – fora no passado, isto sim, um excelente atleta olímpico de pólo-aquático – e teve a inteligência e a humildade para entregar a chefia da delegação a alguém do ramo.
O Dr. Paulo era um homem do futebol e comandava, de quebra, um importante Grupo de Comunicação, as Emissoras Unidas, de rádio e televisão. As Unidas tinham sede em São Paulo e filiais no Rio de Janeiro e outros estados.
Em 66, depois de conviver duas Copas com o Dr. Paulo, vaidoso e auto-suficiente, Havelange se sentiu “preparado” para tocar o barco sozinho. Isolou Dr. Paulo e quebrou escandalosamente a cara.
Pode-se falar tudo de Havelange, menos que ele não foi sempre muito inteligente. Com dois anos de antecedência da Copa do México, em 70, debaixo de críticas e de descrédito, Havelange deu um golpe de mestre:
Convidou João Saldanha, um de seus mais ferrenhos contestadores na imprensa, para técnico da seleção brasileira! A surpresa foi total. Saldanha era então um conhecido cronista esportivo que, além de tudo, não escondia sua simpatia pelo Partido Comunista em plena ditadura militar. Para surpresa ainda maior de seus amigos, Saldanha aceitou o emprego e o desafio.
E, na sua primeira entrevista coletiva, bem a seu estilo, quase fez os repórteres caírem para trás (eu estava lá). E anunciou o time titular e o time reserva do Brasil para a Copa de 70.
Somente com esta atitude inteligente, ele resolveu um dos maiores problemas que havia ocorrido na Copa de 66, quando tivemos cinco dezenas de convocados às vésperas do Torneio e, a uma semana da estréia na Copa, ninguém sabia o time que iria atuar.
Mas, evidentemente que não foi só isso. A escalação antecipada de titulares e reservas foi apenas uma atitude emblemática, para firmar posição. E funcionou maravilhosamente bem.
Saldanha, na verdade, contagiou o país, com um discurso novo, ousado, criativo.
“Só mudo este time em caso de fratura exposta ou de derrame cerebral de um jogador”.
“Quero 11 feras em campo”.
A cada declaração, uma onda de fé e de respeito ia invadindo os corações dos brasileiros que, como agora, se ressentiram demais do fracasso da seleção na Inglaterra. Saldanha era carismático, bem informado, grande contador de causos, com uma cultura superior a maioria dos técnicos de futebol.
Os jogos eliminatórios para a Copa foram uma festa. Goleadas se sucederam, os jogadores davam show e mostras de raça em campo, provando que as duas coisas podem, sim, conviver harmoniosamente num time de futebol.
E não se diga que só havia adversários babas. Para conseguir a classificação definitiva para a Copa, o Brasil ganhou com um magérrimo, 1 a 0, em pleno Maracanã lotado, com um gol mascado, nascido meio a fórceps, contra o Paraguai.
Como se sabe, Saldanha não foi à Copa como treinador da seleção.
Mas não importa.
Sua missão, ele a cumpriu.
De 1968 até o inicio de 1970 ele fez a parte mais difícil. Devolveu o orgulho, a postura, a confiança para a seleção brasileira.
Quando Zagalo assumiu a seleção, mais de meio caminho já estava andado. O grupo estava entusiasmado e consciente de sua responsabilidade, disposto a ganhar a Copa de qualquer jeito.
Ou seja: tudo o que faltou em 66. E tudo o que faltou em 2006.
Mas, se Saldanha já morreu – aliás, em plena Copa do Mundo de 1990, na Itália – o que fazer agora, é a pergunta que permanece no ar?
Escolher um novo Saldanha, of course.
Não mais como treinador, porque não é o caso.
Mas precisamos de um misto de Paulo de Carvalho e Saldanha.
Alguém, que ocupe com dignidade e eficiência o cargo de Diretor de Futebol da CBF.
Não se trata apenas de trazer Luis Felipe Scolari de volta e fazer o time jogar com vontade.
Trata-se de algo maior. E não dèja-vu.
Precisamos de alguém que motive intensamente o país e que seja ouvido, que interprete nossos desejos.
Desculpem-me aqueles que são fãs de Scolari, mas alguém que considera um assassino e corrupto como Pinochet um exemplo nâo está preparado para alavancar patrioticamente uma nação como a brasileira. Politicamente Scolari é, no mínimo, profundamente desinformado.
Scolari pode ter contagiado Portugal, que nunca ganhou nada e onde ele era absolutamente novidade.
No Brasil de hoje, o buraco é mais embaixo.
Scolari pode até eventualmente ser o técnico da seleção, mas falo aqui em algo mais profundo.
Espiritualmente, não tenho dúvida nenhuma, precisamos de um novo João Saldanha.
Com plenos poderes para:
1. Escolher o Técnico.
2. Escolher os outros integrantes da Comissão Técnica.
(Onde é que já se viu treinador de futebol escolher o médico da seleção?).
Os poderes que são dados ao técnico do escrete nacional e mesmo dos grandes times no Brasil são absurdos, despropositados.
Nenhum treinador no país (e no mundo), reúne condições para comandar o time dentro do campo, ter capacidade administrativa, escolher todos os envolvidos para trabalhar com a equipe do preparador físico ao assessor de imprensa, agir como líder, participar de contratações, ser psicólogo, palestrante, motivador, amigo, pai e irmão dos jogadores.
Na Europa, de onde costumamos tirar os exemplos para quase tudo, não é assim. A figura do manager existe há anos. No basquete ultra-profissional e vitorioso dos Estados Unidos, também. Técnico é técnico, menino é menino, macaco é macaco e viado é viado.
Um Diretor de Futebol que assuma muitas destas funções (não todas, porém as mais importantes), eis o que precisamos como prioridade.
Um Diretor de Futebol que seja capaz de discutir de igual para igual uma lista de convocados com a Comissão Técnica, argüir o técnico sobre seus critérios, conceitos e filosofia de trabalho. Não é preciso interferir na escalação da equipe, mas é preciso ter moral para bancar a convocação de Pelé com 17 anos e ainda machucado, como fez Paulo Machado de Carvalho em 1958.
Quando Thierry Henry insultou os brasileiros, afirmando que eles ficavam o dia inteiro jogando bola e não iam à escola, quem na atual delegação aproveitou o ato para retrucar o francês e motivar a seleção? Ninguém.
Um Diretor de Futebol à altura poderia lembrar a Henry que ele deveria era se preocupar com as mazelas sociais francesas, inclusive as mais recentes que inundaram Paris de carros incendiados.
Poderia também conversar reservadamente com os jogadores, lembrar-lhes suas origens humildes e afirmar que Henry os estava humilhando e precisa de um troco em campo. Quem conhece jogadores de futebol, ricos ou não, sabe que algo assim, banal, seria o bastante para “fechar o grupo”, como se diz no mundo da bola.
Responsabilidades como tomar atitudes como esta, não podem pertencer exclusivamente ao técnico. Que é apenas um, no mas das vezes limitado e falível e humano. Vanderlei Luxemburgo era o melhor treinador do Brasil, mas acumulou tanto poder que erradamente não levou Romário para os jogos Olímpicos e, inacreditavelmente, perdeu com um time completo de Camarões, que tinha apenas nove homens em campo. Além disso, assistiu, passivo, no gramado a Lúcio, o zagueiro central, dar uma cabeçada em Roger. Onde estava o grande técnico nesta hora?
Eu respondo: soterrado por tantos afazeres para o qual não estava preparado para atender.
Além disso, um Diretor de Futebol forte e decidido é imperioso agora porque algumas providências no futebol brasileiro necessitam ser tomadas já, imediatamente.
Quatro anos passam depressa. As eliminatórias começam daqui a pouco, no segundo semestre de 2008, a vida continuará andando para a frente:
1) No ano que vem será disputada a Copa das Confederações.
2) Antes da Copa da África do Sul, em 2009, acontecerá outra Copa das Confederações.
3) E teremos a Copa América, que a cada ano fica mais importante.
As três competições podem ser um ótimo laboratório para readquirirmos o eixo perdido da seleção brasileira.
Um Choque de Administração na CBF, comandado pelo novo Diretor de Futebol, poderia experimentar a disputa de um ou dois torneios destes apenas com jogadores que atuam no Brasil, por exemplo. Por que não? Poderíamos tentar uma seleção permanente.
Um Diretor de Futebol de verdade conseguiria com oratória apropriada, exemplo pessoal e um eficiente discurso motivacional fazer com que os jogadores redescobrissem a importância de vestir uma camisa da seleção brasileira.
Deveria expor publicamente (para que os jogadores sentissem a reação dos torcedores) conceitos como, por exemplo, que se pode suportar qualquer derrota, mas não se admite a apatia, a soberba e o desinteresse que muitos profissionais demonstraram com a eliminação da Copa.
Uma atitude que machucou tanto as pessoas, principalmente as mais humildes, justamente as que fazem do futebol nacional motivo de orgulho e amor próprio. Talvez, o único de suas vidas.
Mas onde achar este homem que nos devolveria a crença e o entusiasmo? E ainda:
a) que entenda de futebol,
b) que conheça sua história, a presente e a passada,
c) que seja independente financeiramente e não faça do cargo um meio de vida,
d) que saiba falar com o público,
e) que tenha vivido toda sua vida ligada ao futebol,
f) que tenha gosto pelo desafio,
g) que seja articulado, mas que tenha humildade para aprender e já tenha demonstrado isso anteriormente,
h) que seja corajoso e não fuja da discussão, que saiba defender seus pontos de vista com argumentos sólidos,
i) Que seja muito, muito superior aos Antonio do Passo, Nabi Abi Chedid, Marco Antonio Teixeira e Américo de Faria que já ocuparam este cargo sem nenhum brilho ou mérito.
j) que, a par de suas qualidades, saiba ouvir,
k) que, a seu jeito, represente o que João Saldanha representou num brevíssimo período no nosso futebol.
Eu acho que conheço um.
Neste momento, quem sabe o único no Brasil, que reúna tantos predicados para o cargo.
Se eu fosse Ricardo Teixeira, convidaria o jornalista Milton Neves para Diretor de Futebol da CBF.
Para reformular a mentalidade de jogadores, treinadores e Comissão Técnica a respeito da seleção brasileira. E influenciar o ânimo dos torcedores.
Milton Neves é o cara
Aos 56 anos de idade, consagrado como cronista esportivo (é o nome mais conhecido da área), rico, realizado profissional e empresarialmente, forte o suficiente para enfrentar as resistências que poderiam advir com sua escolha, Milton Neves é o cara.
Ele incendiaria o país, colocaria como ninguém em pauta a nossa reformulação diretiva na manifestação popular mais importante da nação.
Seríamos gratos a ele, no futuro.
É certo que seus programas perderiam alguns merchandisings (a palavra é masculina em inglês), do qual, afinal, ele se tornou o rei.
Mas nesta altura da sua carreira e de sua vida, isto não faria nenhuma diferença. Milton Neves poderia se afastar de suas múltiplas atividades, aliás como fez Saldanha e isto seria uma demonstração inequívoca de despreendimento, pois é público que Milton é um “workaholic” e apaixonado por sua profissão.
O menino humilde de Muzambinho, materialmente falando, chegou a milhares e milhares de milhas além do que poderia sequer sonhar, quando veio para São Paulo tentar a vida.
Aceitar a tarefa acima e nos devolver a esperança e a certeza de que iríamos fazer melhor papel no mundo do futebol daqui para a frente, seria uma forma de, de certa forma, ele retribuir a tudo o que o esporte lhe proporcionou, independente de ele ter conseguido o que conseguiu pelo seu valor pessoal.
Apesar de amigo de Milton Neves, conversar regularmente com o mesmo, jamais falei neste assunto com ele.
Se eu fosse Ricardo Teixeira, falaria. E sério.
Pode ser de uma grande ajuda para o próprio Ricardo Teixeira, que pensa um dia ser presidente da FIFA.