Luan marca gestão Duílio e busca ressurgir no Corinthians
O Corinthians já tentou utilizá-lo como moeda de troca em transações ou negociá-lo em definitivo
São Paulo, SP, 15 – “Um jogador extraordinário!” Desta maneira o técnico Sylvinho definia o atacante Luan, reforço de R$ 29 milhões que em mais de dois anos de Corinthians pouco fez, raramente joga, ganha um alto salário mensal e não faz valer o rótulo de “Rei da América” de 2017. Com quase dois anos de contrato por cumprir, o meia divide opiniões no Parque São Jorge. A torcida não o quer no time, enquanto há quem ainda acredite em uma resposta positiva dentro de campo.
O Corinthians já tentou utilizá-lo como moeda de troca em transações ou negociá-lo em definitivo. Não conseguiu nem uma coisa nem outra. O contracheque fora dos padrões espanta os poucos interessados e a diretoria fica de mãos atadas após investir alto em um atleta que se transformou num “mico”, como aquele comercial de TV.
A expectativa para a temporada que só está começando é que ele desencante com o próximo treinador, que ainda não se sabe quem será. Depois da demissão de Sylvinho, a diretoria encontra dificuldades para achar um substituto. Antes de Sylvinho, Luan trabalhou com Tiago Nunes e Vagner Mancini, mas nenhum deles viu no meia-atacante a solução para os seus problemas. Fernando Lázaro, o interino e filho de Zé Maria, nem cogitou escalá-lo. O fato é que o elenco do Corinthians melhorou com a chegada de alguns reforços, o último deles foi Paulinho, de modo a ter menos espaço para Luan.
Foram somente 262 minutos de Luan em campo nos últimos sete meses, o que não daria três jogos inteiros. O Corinthians paga R$ 800 mil mensais ao jogador. Desde janeiro de 2020, quando chegou, foram 78 jogos, somente 11 gols, sete assistências para gol e nada de conquistas. O valor de sua contratação e do seu salário pesam a cada chute que ele erra o alvo, assim como cada partida em que ele não é relacionado para jogar. Seu custo-benefício tem enterrado o clube.
Luan está iniciando sua terceira temporada no Corinthians e, mais uma vez, encostado. A rotina é treinar, treinar e nada mais do que isso. Os companheiros tentam dar força ao jogador. Ele não reclama, cumpre horários e continua amigo de todo mundo. Apesar da timidez e de ser um cara introvertido e calado, interage com os colegas naturalmente e se dedica aos trabalhos do dia a dia com bastante vontade. Mas não joga.
O meia tem somente 28 anos – completa 29 em março – e já foi eleito o melhor jogador do continente pelo Grêmio. Dos jogos disputados neste ano, entrou somente nos minutos finais diante do Santo André, jogo no qual peças importantes foram poupadas. Na beira do campo, antes da substituição, já era ofendido pela torcida. Há quem diga no clube que ele perde tempo na carreira, que deveria fazer um acordo e tentar a sorte em outro time. Os corintianos protestaram antes mesmo de ele pisar no gramado do Estádio Bruno José Daniel. “Esse não dá, esse não dá”, era o grito contra o jogador.
A Gaviões da Fiel, principal organizada do clube, já cobrou Luan cara a cara, pedindo para ele “criar vergonha e jogar a bola que sabe.” “Eu não vejo o Luan como um desperdício, é preciso paciência. Quando você chega em um clube grande, fica aquela expectativa. Eu ainda acredito que vai acontecer, o problema é ele mostrar”, afirma o ex-jogador Basílio. “Sigo acreditando que ele vai reagir, mas está com dificuldades. A torcida diz que não dá mais, porém, se a gente incentivá-lo, em algum momento ele vai responder, essa é a esperança que fica.” O Pé de Anjo não leva em consideração que Luan veio do Grêmio, outro clube grande do Brasil, e que está no Corinthians há dois anos. É muito tempo para um “craque” reagir.
Basílio, contudo, pede mais vibração a Luan, quer vê-lo menos quieto e mais participativo sem aceitar a reserva ou a falta de jogos. “Pode ser um problema de cabeça, falta de confiança. Quem sabe o novo técnico não o ajude a mostrar tudo o que sabe? E ele sabe jogar.”
GESTÃO DE DUÍLIO
Luan foi a primeira contratação de impacto do presidente Duílio Monteiro Alves, admirador do seu futebol, em 2020. Na visão do dirigente, era um jogador que tinha tudo para dar certo no clube, pois além de ser diferenciado, é torcedor da equipe desde a infância. Mas depois de dois anos abaixo do esperado, o discurso de que “pode ser útil e faz parte dos planos” serve apenas para não desvalorizá-lo. O Corinthians o ofereceu no começo do ano para alguns clubes, mas não obteve êxito. O jogador não abre mão de seus direitos contratuais e prefere permanecer encostado.
“Potencial ele tem. Não acho que desaprendeu a jogar futebol. Tem certas coisas que a gente não consegue enxergar estando fora do ambiente do clube. Acredito que ele tem todo o interesse em ser titular do Corinthians e vai trabalhar para isso. O Luan é um ativo do clube, foi comprado através de investimento bem relevante, por isso, tanto para o atleta quanto para o clube, não é interessante que ele não performe, que ele não tenha destaque. Por ser um ativo, quanto mais valorizado ele estiver, melhor para ambos”, explica Fabio Wolff, professor de gestão e marketing esportivo.
“Muitas vezes um super plantel é formado com jogadores estrelados, como o que aconteceu, por exemplo, no Real Madrid na época em que jogou Zidane, Ronaldo, Roberto Carlos, Figo, entre outros ícones. Apesar de todo o esforço, o clube não aconteceu, não performou bem. O mesmo ocorreu quando o Flamengo formou um ataque com Romário, Edmundo e Sávio. Também não aconteceu. Isso torna o futebol um esporte tão mágico porque, às vezes, o óbvio não acontece”, compara Wolff.
“Para ter uma equipe vencedora é necessário possuir bons elementos, bons atletas em cada posição (e com reposição), um bom técnico, elenco entrosado, uma boa estratégia de jogo, entre outros pontos. Então, às vezes, o atleta não performa bem com um técnico, mas com um outro sim”, diz, confiante de que a chegada de um novo comandante pode trazer esperança a Luan e reanimá-lo.
Algumas comparações podem ser feitas, mas pesa contra Luan o tempo que ele já teve para mostrar serviço e o fato de a transação do Grêmio para o Corinthians não ser considerada tão difícil como está ocorrendo para o meia. “Um bom exemplo é quando o Vinícius Júnior foi contratado pelo Real Madrid. Ele não teve desempenho na época em que o Zidane era técnico, mas agora que o clube espanhol é comandado pelo italiano Carlo Ancelotti, ele está indo superbem. É o jogador mais valorizado do mundo atualmente.”
FREUD EXPLICA? –
Na visão do psicólogo Lucas Rigoni, da Eurekka, acostumado a lidar com problemas de saúde mental de atletas, Luan pode estar sofrendo por causa da ansiedade devido à grande expectativa gerada em cima de sua contratação. “Vamos imaginar que um aluno de uma escola de música vai tocar numa apresentação de fim de ano. Ele treinou, sabe tocar aquela música muito bem. Só que chega na hora e falam assim: ‘Hoje é o grande dia, cara. Está todo mundo querendo te ver, todo mundo sabe que você toca muito bem’. Essa pessoa pode começar a pensar: ‘Tenho de cumprir com essa expectativa.’ O que isso faz? A gente começa a ter um um foco muito forte, talvez exagerado, nos nossos erros”, analisa. “Quando eu ocupo a minha cabeça com o cuidado para não errar, não sobra muito espaço para pensamentos que falem sobre a alegria, sobre fazer do jeito que gosto, apresentar um bom trabalho. Quando a autocrítica fica muito forte, falta espaço para essa auto validação.”
Luan pode estar enfrentando esse problema calado por causa da pressão. “Todos nós podemos ter depressão do humor durante a vida. Um dos sintomas principais disso é a desmotivação. Olha, quando colocam muita expectativa na gente, é possível que a gente fique mais ansioso, porque queremos corresponder com aquele alto nível da expectativa que colocaram”, avalia. “Muitos atletas estão sentindo a pressão da carreira, como o surfista Gabriel Medina, ou mesmo a ginasta americana Simone Biles.”
Rigoni explica qual deveria ser o caminho de Luan. Fala, claro, com um olhar de fora do caso, sem analisar e ter mais informações do atleta e dos dirigentes corintianos. “Tem uma coisa muito importante, que é o seguinte: através de uma reflexão, se reconectar com aquilo que é importante para você e para sua história. Se reconectar com a alegria de jogar”, diz. “Tem uma pressão para o resultado? Claro. Mas que essa pressão por resultados não tire o lugar de se conectar com a alegria de fazer o que eu faço.”
Respirar novos ares seria uma boa para Luan na visão do especialista. Mas não uma exigência. A recomendação é que se questione: por que eu faço o que faço? Para que eu faço o que faço? Qual o sentido disso na minha vida, na minha história, nos meus objetivos pessoais, e não apenas com o resultado que estão demandando de mim? Qual o valor para mim, na minha história, de fazer o que estou fazendo?
“É ser capaz de se conectar com o jogar pela alegria de jogar, e não apenas por resultados ou salário. Eu acredito que não é necessário mudar de clube ou de empresa antes de ver o que está acontecendo internamente. Não adianta a gente mudar de clube, de empresa, de trabalho, mas não mexer nas questões internas. Eu diria que, antes disso, que busque reservar um bom tempo pra resolver essas questões internas, tocar nessas questões. Mudar de clube pode ser muito bom, mas não que seja necessário.”