Livro de Abel Ferreira tem tática, jantar com Crespo e peixe chamado Libertadores

Obra é dedicada a passar os conhecimentos do treinador

Abel Ferreira explica, em detalhes, o período em que venceu duas Libertadores pelo Palmeiras

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Livro de Abel Ferreira, em seu lado de psicólogo. Foto: Divulgação

São Paulo, SP, 16 – “Cabeça Fria, Coração Quente”, livro idealizado por Abel Ferreira, assinado por toda sua comissão técnica e escrito por um de seus auxiliares, Tiago Costa, é um documento raro na literatura esportiva brasileira. Relata, com riqueza de detalhes táticos, o trabalho vitorioso do treinador à frente do Palmeiras, sua experiência e aprendizado no Brasil.

Não é uma aula de futebol nem uma publicação com grandes segredos de bastidores. É uma obra que passa adiante o conhecimento do treinador, divide suas aflições e alegrias diárias e desfia detalhadas explicações táticas sem prepotência.

Com frases dos portugueses José Saramago e Fernando Pessoa que se conectam com a narrativa do autor do mesmo país, a obra, escrita em primeira pessoa, apresenta os segredos, reflexões e métodos de trabalho da equipe técnica em 13 meses, desde a chegada ao Palmeiras, no fim de outubro de 2020, até a conquista da segunda Copa Libertadores, em novembro de 2021. Na Europa esse tipo de trabalho é bastante comum.

Abel fora desafiado a publicar um livro sobre sua trajetória como jogador em 2009. Não o fez na época porque não achou apropriado o momento nem tinha vontade para tal.

Uma década depois, o treinador propôs a Tiago Costa escrever um livro sobre a temporada de 2019/2020 no Braga, de Portugal. A ideia acabou ficando em stand by porque o destino levou o técnico e sua turma para o PAOK, da Grécia. Mas no Palmeiras, enfim, foi viabilizada de uma maneira diferente do que havia sido pensada inicialmente.

Nessa viagem no tempo, o livro, de 405 páginas, publicado pela Garoa Livros (R$ 74,90), destrincha o que Abel Ferreira e seus auxiliares fizeram, como fizeram e porque fizeram no Palmeiras. Não há grandes revelações de bastidores, até porque não é a isso que se propõe a publicação, nem se trata de apresentar uma revolução futebolística.

Por outro lado, a comissão técnica não esconde nada sobre as estratégias adotadas nos jogos-chave com base nas análises dos adversários. Há figuras com análises táticas dissecando o que foi pensado e executado nas partidas. É esse o propósito do livro: explicar os métodos de Abel e seus assistentes, passar seu conhecimento adiante e o que aprendeu no Brasil.

Como Abel é fã de automobilismo, especialmente de Fórmula 1, o livro é dividido em voltas em vez de capítulos. O percurso do “Grande Prêmio da Sociedade Esportiva Palmeiras” contempla 78 voltas com as histórias, crenças e vivências da comissão técnica portuguesa, desde o preâmbulo falando sobre o dia em que Abel recebeu na Grécia a proposta para trabalhar no Palmeiras até o encerramento da publicação com uma carta do técnico dirigida aos torcedores do clube.

A publicação é repleta de ilustrações. Tem imagens do fotógrafo do clube, César Greco, além de reproduções de figuras, slides e tabelas expostos aos atletas que exibem as minúcias dos planos táticos elaborados pelo treinador e sua comissão.

Trata-se de uma obra que explica o futebol moderno por meio das estratégias dos portugueses. Conta, com pormenores e detalhes, a partir de sua vivência no Palmeiras, como Abel pensa o futebol. É uma espécie de livro de memórias e diário em que o treinador partilha as alegrias e frustrações à frente do time alviverde.

Explica suas ideias, expõe suas aflições e disseca seu trabalho sem medo, algo raro, como poucos treinadores fizeram no futebol brasileiro. Ao explicar a construção desde a defesa com três jogadores, por exemplo, ele usa uma metáfora insólita. “É como fazer amor”, compara. “Às vezes é na cozinha, outras na sala, outras no quarto, outras no banho. Mas é sempre com o mesmo objetivo”, escreve.

A publicação interessa certamente ao palmeirense, que provavelmente lerá algumas páginas emocionado, e a todos os leitores que buscam entender a visão de futebol de um treinador intenso, atualizado e apaixonado no que faz.

Aos treinadores, quem trabalha no meio futebolístico e, sobretudo, aos que adoram tática, o livro é um deleite sem igual na literatura esportiva brasileira, tão carente pelo jogo documentado. É, sobretudo, um legado incalculável.

COMUM NA EUROPA

Na Europa, é comum técnicos dividirem em livros seus aprendizados, desde Johan Cruyff, passando por José Mourinho, até Pep Guardiola. Por aqui, há raros relatos sobre os trabalhos bem-sucedidos de times e seleções marcantes. Não há publicações a respeito do pentacampeonato mundial, do Santos de Pelé ou do Palmeiras de Ademir da Guia.

A obra mostra a estratégia adotada nos jogos mais importantes em 13 meses da comissão técnica portuguesa no Palmeiras.

Detalha cada decisão tomada nas partidas decisivas. Como os laterais e volantes palmeirenses anularam Marinho e Soteldo na final da Libertadores de 2020? Está no livro. De que maneira Gustavo Scarpa se tornou ala e Piquerez, zagueiro? Consta no documento. Os segredos para a vitória histórica sobre o River Plate na semifinal da Libertadores 2020? As páginas mostram. De que forma o treinador trabalha a parte mental dos atletas e de que maneira ele convenceu seus jogadores de que tinham de fazer o que era preciso – não o que queriam – para serem campeões? A obra explica.

Abel revela seu método de trabalho, mas não só isso. Ele esmiúça como funciona o departamento de futebol no Palmeiras. Isso inclui contar sobre o trabalho de vários funcionários, todos parte de uma engrenagem que tem funcionado muito bem.

Mostra como são feitas as contratações de atletas, o trabalho dos analistas de desempenho e os de mercado, dos fisiologistas, fisioterapeutas e médicos. As cozinheiras também não são esquecidas. Pelos relatos, impressiona a capacidade de organização e planejamento da comissão técnica.

Há também histórias curiosas vividas entre novembro de 2020 e dezembro de 2021: a revelação de que Abel jantou com Hernán Crespo após seu time derrotar o São Paulo nas quartas de final; o episódio em que o português perdeu a voz durante o primeiro tempo da decisão da Libertadores com o Flamengo em Montevidéu e a recuperou na etapa final; o peixe dourado chamado Libertadores que vive em um pequeno aquário no gabinete da comissão técnica na Academia de Futebol e foi colocado ali para lembrar o treinador de que não podia se esquecer de que o futebol tem memória curta; a mudança na irrigação do gramado do Allianz Parque a pedido do treinador e seu impacto na equipe, entre outras.

Como fez em grande parte de suas entrevistas, Abel, no livro, faz, com um pouco mais de profundidade, uma reflexão sobre o futebol brasileiro. Elenca oito aspectos que considera atrativos no futebol brasileiro e outros oito que podem melhorar, além de citar exemplos a serem seguidos. O calendário exaustivo de jogos é alvo das críticas mais contundentes.

A pré-venda de “Cabeça Fria, Coração Quente” teve início em janeiro e a primeira edição do livro, de 15 mil unidades, começou a chegar às livrarias físicas e virtuais na semana passada, com alguns dias de atraso. Haverá uma edição especial de 1978 exemplares com a inserção das experiências vividas em Abu Dabi no Mundial de Clubes da Fifa e na Recopa Sul-Americana.

O lucro obtido pelos cinco portugueses com a obra será doado para duas instituições de caridade, o Instituto Ayrton Senna e a ONG Amigos do Bem. O livro foi lançado em evento fechado para 78 sócios do Palmeiras na última segunda-feira. Na semana passada, o técnico presenteou todos os funcionários do clube com a obra.

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