Imigrantes fazem a festa da Copa em vilas de operários que construíram estádios
Os imigrantes fazem a festa longe de casa, mas não estão excluídos da paixão pelo futebol
Para se chegar até o bairro de Asian Town, localizado na cidade de Al Rayyan, a 25 quilômetros do centro de Doha, não há ônibus ou metrô direto. É preciso ir até estação mais próxima, Al Alziziyah, ao lado do estádio Khalifa, e pedir um Uber. São nove quilômetros de distância.
Neste local, vivem operários de várias partes da África, Oriente Médio e Ásia, o que faz com que o nome de cidade asiática esteja fora da realidade e da torre de Babel de línguas e etnias que o Estadão presenciou na visita de um dia ao local, além de ter entrado no condomínio de moradias alugadas por empresas para abrigá-los.
FESTA LONGE DE CASA
Eles estão distantes da festa nos estádios e grandes estruturas que ajudaram a construir para a Copa do Mundo do Catar. Mas não estão excluídos da paixão que sentem pelo futebol e que dão um jeito de viver a milhares de quilômetros de suas terras natais.
No bairro, construído com pequenos blocos de prédios que abrigam trabalhadores contratados por companhias que prestam serviços ao Catar, um modesto estádio de críquete com 13 mil lugares foi transformado, temporariamente, em uma espécie de Fan Fest.
Ela é bem diferente da estrutura montada no Fifa Fan Festival, localizado dentro do Parque Al Bidda, o maior já construído na capital catariana. Na festa dos trabalhadores imigrantes, há barracas de comidas típicas da Índia, Filipinas, Nepal e Bangladesh, além de um campo de futebol montado no gramado do estádio.
No dia em que o Marrocos derrotou a Bélgica por 2 a 0, havia cerca de 400 pessoas se dividindo entre dois telões que exibiam o jogo. Uma delas era o marroquino Karim Shawari, que trabalha na construção civil e aproveitou a folga para testemunhar a quebra de 24 anos da seleção nacional do norte da África sem vitórias em Copas.
“Feliz demais e tenho vindo sempre que posso aqui. Amo futebol e por estar perto da Copa”, diz o marroquino.
O pequeno público nos arredores de Doha contrasta com as 33 mil pessoas que foram assistir à partida de estreia do Brasil no espaço dedicado aos turistas que estão no país.
Se lá uma água custa 10 riais (R$ 14,90), na festa operária, uma garrafa de 500 ml do líquido custa menos da metade, no valor de 3 riais (R$ 4,47).
LOJISTA FÃ DO BRASIL
Em Asian Town, dois shoppings servem de entretenimento e opções de compras para os operários se divertirem quando têm folga das longas jornadas de trabalho na construção civil e serviços, que podem chegar a 15 horas por dia. Há duas salas de cinema que passam apenas os filmes produzidos em Bollywood (a Hollywood indiana) e só aceitam pagamento em dinheiro.
No Plaza, o comerciante Syed Meem, de Chittagong, Bangladesh, diz que é fã da seleção e que não tira o uniforme do Brasil. Nas lojas ao lado da dele, que comercializa variedades, é fácil encontrar camisas falsificadas ou estilizadas da seleção brasileira e que trazem fotos de jogadores como o atacante Neymar.
O comerciante de Bangladesh conta ainda que já foi a dois jogos da Copa, mas ainda não conseguiu ingressos para ver o time de Tite em campo.
Perguntado se gosta de viver no Catar, ele é enfático em dizer que sim e que em sua terra natal nunca teria as oportunidades que teve no país sede da Copa. “Consegui abrir meu próprio negócio aqui e vivo nos fundos da loja, como muitos comerciantes dos shoppings de Asian City fazem. A vida em Bangladesh é mais difícil”, diz Syed Meem.
Essa é uma resposta comum dada por muitos trabalhadores estrangeiros que vêm tentar a sorte no Catar. Se os operários ainda não têm as melhores condições para se viver no país, houve avanços, mesmo tímidos.
REAÇÃO A DENÚNCIAS
Com as denúncias da morte de 6,5 mil operários em obras para a Copa, feitas por veículos como o jornal inglês The Guardian, o governo local reformou a legislação trabalhista e colocou como piso um salário mínimo de 1 mil riais (R$1.409).
É um valor irrisório frente ao alto custo de vida do país, ainda mais que muitos que trabalham no setor braçal precisam mandar dinheiro para suas famílias nos países de origem. Ao menos para os homens que habitam os prédios que formam o condomínio de Asian Town, a situação é minimamente digna.
Não há luxo e os moradores dividem quartos pequenos com duas camas e armários. Os banheiros e refeitórios são coletivos e há uma mesquita para quem é muçulmano, um centro médico para atender aos operários e uma praça com árvores para quem quer um descanso.
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