Guia questionado por infectologistas embasa proposta de retorno do futebol em SC

A entidade aguarda para os próximos dias uma resposta do governo local sobre a liberação da volta aos treinos ao se apoiar em cartilha

A entidade aguarda para os próximos dias uma resposta do governo local sobre a liberação da volta aos treinos ao se apoiar em cartilha

0002050464252 img

Florianópolis, SC, 28 (AFI) – A Federação Catarinense de Futebol (FCF) pretende retomar a disputa do Estadual em 16 de maio amparado em um protocolo de cuidados com o novo coronavírus que desperta questionamentos entre médicos que têm atuado no combate à pandemia do novo coronavírus.

A entidade aguarda para os próximos dias uma resposta do governo local sobre a liberação da volta aos treinos ao se apoiar em uma cartilha que apresenta informações criticadas por infectologistas e contrárias às recomendações da Organização Mundial da Saúde (OMS).

Primeiro estado a afrouxar regras de isolamento, Santa Catarina pretende também ser um dos primeiros locais a voltar com o futebol. Para isso, a FCF divulgou na semana passada um guia médico de sugestões de proteção para a retomada das atividades dos times.

O objetivo é ter as equipes de volta aos treinos já na próxima sexta-feira. O material de 27 páginas foi produzido pelo diretor médico do Avaí, o ortopedista Luis Fernando Funchal, com o auxílio do infectologista Valter Rotolo Araújo.

A reportagem procurou quatro médicos de regiões diferentes do Brasil e pediu uma avaliação sobre o guia. Os profissionais ouvidos pediram para não ser identificados para não criar conflito profissional.

Campeonato Catarinense pode ser o primeiro a voltar

Campeonato Catarinense pode ser o primeiro a voltar

Três deles são infectologistas e o outro atua na área da medicina do trabalho com a criação de protocolo de cuidados para empresas de grande porte. Na opinião deles, o retorno do futebol ainda é precoce e alguns dos procedimentos sugeridos pela FCF são insuficientes para garantir a segurança.

EU, ATLETA
Dois pontos do material foram os mais criticados pelos médicos. Em um dos trechos, o guia explica que o risco de exposição ao vírus “é baixo para a maioria das pessoas, principalmente que é desportista”. A informação foi rebatida por um infectologista.

“Um atleta pode ser contagiado e transmitir a doença da mesma forma”, comentou o médico, que atua também como professor universitário em uma instituição federal.

Em outro trecho, o guia da FCF cita a rotina de testes nos jogadores para acompanhar possíveis casos da doença e afirma que aqueles que forem recuperados “estarão imunizados e não necessitarão repetir os exames”. Porém, no último sábado a OMS explicou não ter provas que pacientes recuperados da covid-19 sejam imunes à doença.

O protocolo da FCF recomenda uma série de cuidados nos treinos, como distanciamento no vestiário, uso de máscaras e o cuidado até para cada jogador utilizar uma única bola nos trabalhos. O guia traz ainda uma seção específica sobre a aplicação de testes contínuos nos jogadores. Os médicos ouvidos pelo Estado elogiam a intenção, porém afirmam que isso não é capaz de garantir a segurança.

“Testes em série apresentam resultados dúbios e por vezes inconclusivos dependendo da sensibilidade do organismo e de quanto tempo após o contágio foi feita a amostragem”, comentou um infectologista, que tem mais de 20 anos de experiência.

DOCUMENTO PODE SER ALTERADO
Os dois médicos responsáveis pelo protocolo da FCF afirmam que o material é somente um pacote de sugestões e admitem a possibilidade de fazer alterações no texto caso seja necessário. O governo estadual recebeu o guia na semana passada e deve nos próximos dias dizer se libera o retorno dos times.

“Não somos nós que vamos decidir quando o campeonato de futebol vai começar. Isso cabe aos órgãos da saúde pública”, disse o infectologista Valter Rotolo Araújo, participante na elaboração do guia. O médico, porém, afirmou que quem teve mais participação no conteúdo foi o ortopedista do Avaí, Luis Fernando Funchal. “A minha participação foi mais como orientador em detalhes de testagem e prevenção”, completou.

Autor do guia, Funchal é um dos idealizadores do protocolo médico nacional dos clubes que está em discussão na CBF e defendeu o material.

“Eu te garanto que não foi um documento irresponsável. Foi feito dentro de muito estudo e com base em trabalhos publicados na Europa”, disse ao Estado. O ortopedista trabalha no Avaí há 22 anos e afirmou que o fato de ter uma especialidade médica diferente da infectologia não lhe tira a credencial para produzir o guia.

DESATUALIZADO
Funchal afirmou que se os atletas forem contagiados pelo coronavírus não teriam complicações por desfrutarem de boas condições atléticas. O médico do Avaí explicou que informação trazida pela OMS sobre o risco de um novo contágio, mesmo para quem já foi recuperado da doença, foi revelada depois da publicação do documento.

“Na época da confecção do documento, esse tipo de posicionamento (da OMS, sobre contágio anterior não ser garantia total de imunização) não existia”, afirmou. Funchal afirmou que a informação trazida pela OMS ainda é discutível dentro dos estudos médicos existentes.