Goleiro da Portuguesa sonha em levar filho com câncer para viajar de avião
O tratamento continua até o meio do ano, caso não existam intercorrências, e a rotina hospitalar envolve, às vezes, entrar pela manhã e sair somente à noite
Gustavo ainda não pode ter cuidado com areia e deve ter o mínimo de contato com possíveis doenças, por isso toda a família mudou a rotina
São Paulo, SP, 07 – O goleiro Thomazella já tem planos para o futuro. Ele comemora cada dia vencido ao lado de seu filho Gustavo, de quatro anos, que foi diagnosticado com um linfoma de Burkitt e hoje faz tratamento. Foi o menino que acompanhou o pai no título da Série A-2 do Campeonato Paulista, com a Portuguesa.
A coroação como goleiro menos vazado e melhor goleiro da competição, para além do título, teve de ser breve. O sonho real estava em ter Gustavo ali, no gramado, já que na mesma semana o menino se sentiu um pouco fraco após a quimioterapia semanal. Conquistaram juntos.
Os planos para o futuro de Thomazella e da família são além do futebol. Que ele foi sondado após o título, não é novidade. Ele disse ‘não’ a todos os projetos, por mais que fossem vantajosos para a carreira, e decidiu passar mais tempo com a família, além de ajudar a Portuguesa a voltar à elite nacional.
Então, para o futuro, ele quer realizar um sonho de Gustavo: viajar de avião. O tratamento continua até o meio do ano, caso não existam intercorrências, e a rotina hospitalar envolve, às vezes, entrar pela manhã e sair somente à noite. Era isso o que estava planejado para o dia seguinte a esta entrevista para o Estadão e assim foi feito.
“Nós tivemos que abrir mão da vida social depois que descobrimos a doença do Gustavo. Foram 22 dias que ele passou hospitalizado, sendo 12 na UTI, logo no começo. Agora, temos a rotina hospitalar, que é para exames e quimioterapia. Eu já saí de jogos direto para o hospital, depois para o treino no dia seguinte”, conta Thomazella, por chamada de vídeo.
“Nós explicamos a ele o que pudemos, da forma mais lúdica. Levamos ele para parques afastados, com todo o cuidado, quando a imunidade está alta, só para que ele possa sair de casa. Quando tudo isso passar, quero levar ele para uma praia. Ele fica falando ‘areia, areia’, ou que quer brincar em uma caixa de areia, e quer viajar de avião. É esse o futuro que vejo”, revela.
Gustavo ainda não pode ter cuidado com areia e deve ter o mínimo de contato com possíveis doenças, por isso toda a família mudou a rotina. Thomazella pensou em dar uma pausa na carreira para ficar com o garoto, mas Natália, sua esposa, decidiu que ela faria essa suspensão na rotina de trabalho para ficar todo o tempo possível com Gustavo.
“Natália é uma guerreira. Uma mãe muito forte. Ela fica 24h disponível para o Gustavo. É um elo muito forte, esse que nossa família tem. Eu também tenho o benefício de ficar só pouco tempo fora de casa. É casa, treino, casa, jogo, casa… Não tem outra coisa”, disse.
Thomazella e a esposa sempre fizeram exames de rotina em Gustavo. Ele conta que, um mês antes de ser descoberto o tumor, o menino não tinha problema algum. O cenário mudou rapidamente e foi descoberta uma invaginação intestinal . Na cirurgia, foi detectado o tumor, ainda em fase inicial, o que garante uma chance alta de cura.
“Já enfrentávamos isso desde o ano passado. No dia mundial do câncer, eu resolvi fazer uma postagem para conscientizar os pais que devem fazer exames de rotina nos filhos, que devem estar sempre de olho em possíveis sinais. Daí, fui falando em entrevistas e passei a compartilhar mais. O futebol me proporcionou a plataforma para fazer isso chegar em mais famílias.”
O goleiro descobriu uma grande força mental para continuar em campo. Ele reconhece que sua posição ‘é a única que não permite falhas’ e, por isso, sempre teve em mente que faria de tudo para dar as melhores condições de tratamento a Gustavo. ‘Eu era 100% pai fora do futebol e, no futebol, era 100% atleta’, ressalta.
“Quando eu chego em casa, eu desligo tudo. Sem telefone, sem nada. Sou pai do Gustavo e estou ali para ficar com ele e com a minha esposa. Em campo, claro, me emocionei algumas vezes, até porque as torcidas homenagearam a nós. A torcida da Portuguesa foi muito forte nisso. Contra o São Caetano, os adversários também estenderam faixas, mensagens de apoio, sabe? Aquilo revitaliza. Contra o Velo, peguei um pênalti e, depois do jogo, os torcedores vieram falar comigo no alambrado, tipo ‘Cara, sei que é difícil, mas vocês vão passar por isso’. Esse é o espírito que o futebol deveria ter sempre.”
Thomazella, Natália e Gustavo contam as semanas para o fim do tratamento. Faltam 10.