Futebol brasileiro: Uma máquina de moer técnicos
É uma sequência antropofágica de moer indivíduos num ambiente tenso de troca-troca de pessoas, largando-as, muitas vezes, na rua da amargura.
Professor e filosofo Manuel Sérgio Vieira e Cunha deu origem à vitoriosa escola portuguesa de técnicos da atualidade
Por PÁDUA BÁFERO
Coincidência ou não, há uma história interessante por detrás desse movimento de técnicos de futebol no mundo e que tem sua origem há muitos anos. A vinda de Jorge de Jesus para cá, iluminou essa afirmação. Por quê? Ora, não é segredo que em Portugal existe uma Faculdade de Motricidade Humana, instalada na Universidade Técnica de Lisboa.
Também, não é segredo que o professor e filosofo Manuel Sérgio Vieira e Cunha, é um Catedrático dessa Faculdade, sua especialidade é a filosofia do futebol. É ele quem diz:
“No futebol, há necessidade de um filósofo que compreenda o seu lugar na equipe: o de ser racional, por entre a irracionalidade ambiente, cada vez mais despótica e absorvente.”
Tive oportunidade de conviver por dois anos com o Professor Manuel Sérgio na Unicamp, fomos mais que colegas, fomos amigos dele frequentar minha casa. Aprendi muito. Ele é sobejamente conhecido na área da motricidade humana, o conjunto de funções nervosas e musculares que permite movimentos voluntários ou automáticos do corpo.
OS CONCEITOS
Dizia-me sempre, que o futebol é excessivamente organizado sobre conceitos tecnicistas, um sistema de organização baseado na predominância dos técnicos, com soluções meramente técnicas, muitas vezes desprezando os aspectos humanos e sociais do problema.
Coincidência ou não, o técnico José Mário dos Santos Mourinho Félix, conhecido por José Mourinho foi aluno do Professor Manuel Sérgio e abriu espaço para que a maioria dos treinadores portugueses de futebol se formasse dentro desse humanitarismo. É do comentarista Paulo Vinícius Coelho:
“Os portugueses têm a teoria e descobrem o futebol do Brasil na prática. Não adianta nos trazerem espelhos, como os descobridores, não queremos olhar nossos próprios defeitos.”
MÁQUINA DE MOER TÉCNICOS
O que se vê no Futebol Brasileiro é uma sequência antropofágica de moer indivíduos num ambiente tenso de troca-troca de pessoas, largando-as, muitas vezes, na rua da amargura. Fui técnico de alto rendimento por várias décadas e já provei dessa ignorância.
Em entrevista ao El Pais (17-9-2002) Pep Guardiola afirma:
“Cruyff nos ensinou que é muito difícil de apagar, é uma cultura, antes de ser uma prática de jogo. O futebol vai além da competição e do rendimento.”
Volto a história do “Sapinho que virou Príncipe”. Essa frase dita de forma tão simples, mas tão simples, que por certo, passou despercebida à maioria.
MENINO MALUQUINHO
Tudo aconteceu quando da entrevista do Professor Abel Ferreira, logo após a vitória do time que dirige, Sociedade Esportiva Palmeiras, sobre o Clube de Regatas do Flamengo, na Copa Libertadores da América, no Estádio Centenário de Montevidéu, neste ano.
Ao ser perguntado sobre o improvável herói daquele jogo, o jogador Deyverson, autor do gol do título e conhecido como “Menino Maluquinho”, por suas desatenções e comportamentos hilariantes, respondeu:
“Hoje, ele é um Sapinho que virou Príncipe.”
O “Menino Maluquinho” não só virou príncipe naquela noite, mas com certeza, o técnico Abel Ferreira deu ao menino naquele momento, alguma coisa não apenas superficial pertencente as coisas do futebol, mas alguma coisa de grandioso que lhe falou à alma.
Antonio de Pádua Báfero
Doutor em Educação pela Universidade de São Paulo ( USP )
Professor da Unicamp
Membro da Academia Campinense de Letras