'Feudo', 'soberba' e escolhas erradas: entenda as razões da crise no São Paulo

Dirigentes, torcedores e ex-jogadores comentaram sobre o péssimo momento do clube dentro e fora das quatro linhas

Dirigentes, torcedores e ex-jogadores comentaram sobre o péssimo momento do clube dentro e fora das quatro linhas

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São Paulo, SP, 06 – Antes líder do Brasileirão por 12 rodadas e uma das equipes que impressionava pela maneira como jogava, o São Paulo chegou a abrir sete pontos na primeira colocação. O time tricolor, porém, sucumbiu, não venceu ainda em 2021 e corre até mesmo o risco de ficar fora do G-4 e não conseguir uma vaga direta na fase de grupos da Copa Libertadores. Mas o que explica essa queda vertiginosa que culminou com a demissão do técnico Fernando Diniz e a saída antecipada do diretor Raí? Para além do desempenho ruim em campo, a equipe está envolta em uma série de problemas fora das quatro linhas que se arrastam há vários anos e ajudam a explicar a crise e a seca de títulos de quase dez anos.

Julio Casares assumiu a presidência no dia 1º de janeiro com a promessa de manter Fernando Diniz e garantir a permanência de Raí até fevereiro como executivo de futebol. No entanto, a sequência de resultados negativos o levou a mudar de ideia e o treinador foi demitido no começo desta semana. Raí também antecipou sua saída, que ocorreria ao final da temporada. O mandatário justificou a decisão por “falta de perspectiva de reação”.

“Foi uma decisão voltada mais para a visão do resultado e da perspectiva de falta de reação nesse momento para o prosseguimento do campeonato. Realmente tinha dito que continuaríamos, era a intenção, mas assumimos um momento atípico com calendário diferente por causa da pandemia, sem pré-temporada. Portanto, precisamos planejar a próxima temporada. Decisão foi por resultado. Dos 18 pontos disputados, conseguimos dois. Não tem visão de culpa de A, B ou C, faltou perspectiva de uma reação”, disse Casares.

Atual presidente comentou as saídas de Diniz e Raí na última semana

Atual presidente comentou as saídas de Diniz e Raí na última semana

Antes deles, já haviam saído o ex-diretor de relações internacionais, Diego Lugano, e o ex-diretor de futebol, Alexandre Pássaro. O conselheiro Carlos Belmonte virou o homem-forte do futebol, Muricy Ramalho voltou ao clube para ser coordenador técnico e Rui Costa foi contratado para ser o gerente de futebol. Mudanças ocorreram na nova gestão, mas permanecem os problemas que perduram há mais de uma década, como dívidas com os jogadores, escolhas erradas, incertezas e cobranças públicas pela transição de poder.

De clube vencedor, que empilhou taças na década retrasada, e apontado como exemplo de gestão naquele momento, o São Paulo se acostumou a protagonizar fracassos. Apenas nesta temporada, a equipe foi eliminada nas quartas de final do Campeonato Paulista para o Mirassol, na fase de grupos da Libertadores, na segunda fase da Copa Sul-Americana e sofreu a pior derrota jogando no Morumbi na história, a goleada por 5 a 1 para o Internacional. Aquele revés, aliás, tirou o time do então técnico Diniz da liderança. O clube não levanta um troféu desde 2012, quando conquistou a Sul-Americana, vê seus principais rivais serem campeões com frequência e tem de lidar com as cobranças cada vez mais intensas dos torcedores, ávidos por títulos.

“FEUDO” E FALTA DE IDEIAS NOVAS
“A longa seca de títulos é reflexo do que ocorre na política interna. O São Paulo assemelha-se a um feudo. O poder em uma instituição desse porte dá visibilidade e eleva o ego das pessoas que precisam disso para energizar suas vidas que eles próprios julgam insignificantes ante a importância e popularidade que o cargo confere”, analisa Luiz Antônio Cunha, ex-diretor de futebol do São Paulo em 2016, na gestão de Carlos Augusto de Barros e Silva, o Leco. Ele deixou o cargo após “o presidente ter ‘roído as cordas’ comigo ao autorizar ao gerente remunerado uma contratação que eu vetara expressa e diretamente a ele”. A contratação a que se refere era a do peruano Cueva, que não deu certo.

Cunha fala com a experiência de quem trabalhou no clube desde o primeiro mandato de Juvenal Juvêncio, no final da década de 1980, entre funções na base e no profissional, sócio-torcedor e nas vezes em que foi chamado para “apagar incêndios”, como ele descreve.

O dirigente avalia que o clube carece de “ideias abertas do moderno mundo da administração em geral”, e também de “alternância de ideias no poder maior” para não ficar mais “sempre respirando o mesmo ar”, o que, segundo ele, continua a acontecer agora com a eleição de Julio Casares, que já havia ocupado cargos diretivos antes de assumir a presidência. “O SPFC está como cachorro que corre atrás do próprio rabo, nunca alcança e quando alcança, morde e sente a dor. Há que se vislumbrar horizontes mais amplos”, pontua Cunha.

O ex-diretor entende que as mudanças provocadas pela nova gestão, com trocas em cargos importantes foi o “ingrediente nefasto que fez desandar tudo em campo” e que a decisão provocou uma “descambada que causaram por pura falta de sensibilidade, de inteligência e de maturidade”.

“A SOBERBA DO SOBERANO”
Torcedor ilustre do São Paulo, Nasi, vocalista da banda de rock Ira!, acredita que o calvário está diretamente ligado às decisões políticas nos últimos anos. “Tudo começa quando a política do São Paulo, que sempre foi equilibrada entre oposição e situação, é destruída. O São Paulo tinha a oposição e a situação se revezando no poder, com os dois se vigiando”, opina. O músico crê que o principal culpado pelo desequilíbrio foi o ex-presidente Juvenal Juvêncio, que comandou o clube por quatro mandatos no total e foi o responsável por alterar o estatuto para poder ficar três mandatos consecutivos na presidência, de 2006 a 2014. O folclórico dirigente morreu em 2015.

Nasi 'culpou' Juvenal Juvêncio pela instabilidade política do clube

Nasi ‘culpou’ Juvenal Juvêncio pela instabilidade política do clube

“Os times que têm uma hegemonia, em vez de crescerem, eles entram num conluio político que os levam ao fracasso. O São Paulo viveu cinco anos de glória, de 2005 a 2009. Depois disso veio a soberba do Soberano, inaugurada por Juvenal Juvêncio, que rasgou o estatuto”, reforça Nasi. Em vez de fazer o São Paulo ser cobiçado pelas grandes marcas, o que aconteceu foi o começo de um declínio, um clássico no futebol brasileiro. Um grupo que ganha títulos importantes e tem tudo para criar uma hegemonia, um futuro brilhante, usa as conquistas para a corrupção e para endividar o clube”, acrescenta.

Campeão paulista e brasileiro pelo São Paulo como jogador, o técnico Silas adverte que, nos últimos anos, a “roupa suja” deveria ter sido lavada internamente e também considerou que escolhas erradas recorrentes como um dos principais fatores que geraram e até potencializaram a crise ao longo dos anos.

“Muitas tentativas foram feitas a nível de contratação de atletas caros, muitas frustradas por mau desempenho e mesmo a formação de excelentes jogadores de base e que deram muitos títulos de base ao clube, além de servir a seleção brasileira em todas as categorias, no profissional não vingou”, aponta o comentarista dos canais esportivos da Disney. “A crise aumentou e até a prática de manter treinadores deixou de acontecer, exemplo claro são os últimos 4 anos com 7 trocas”, emenda.

Silas comentou sobre as últimas escolhas erradas do São Paulo

Silas comentou sobre as últimas escolhas erradas do São Paulo

As contratações caras e mal-sucedidas, como o atacante Alexandre Pato, foram determinantes para o endividamento do clube, que apresentou em agosto de 2020 um déficit de R$ 156 milhões nas contas de 2019, um dos piores resultados financeiros da história do clube. As despesas subiram, as receitas diminuíram e os títulos não vieram.

SAÍDAS PARA A CRISE
O ex-diretor Luiz Antônio Cunha defende que o São Paulo se torne clube-empresa como uma dos caminhos para mudar o panorama atual, de poucas conquistas e muitas dívidas. Vale ressaltar que o projeto que incentiva os times brasileiros a saírem do modelo de associação civil para empresa, limitada ou sociedade anônima está parado no Senado. “Mas a fila para assumir o poder está formada e ninguém admite ceder o lugar ou simplesmente acabar com ela”, lamenta.

Já Silas entende que a Europa é um espelho para o São Paulo. “O caminho seria copiar os modelos de clubes europeus, grandes e pequenos também, mas não só no que diz respeito a tática e organização, colocando ex-atletas capacitados, mas também no que se refere à gestão financeira.”

Quanto ao campo, o ideal, avalia Nasi, seria a diretoria procurar um técnico experiente e que saiba trabalhar com os jovens oriundos da base, enquanto que os dirigentes deveriam ter a mente mais aberta para novas ideias. Para ele, o retorno de Milton Cruz, que trabalhou 22 anos no clube, também seria importante. “O momento é pra se olhar pra base, mas com um técnico que saiba usá-los”, diz o torcedor ilustre. “O São Paulo precisa de dirigentes mais jovens. Os “cardeais” da diretoria levaram o clube à bancarrota.”

O próximo jogo do São Paulo é no dia 10, contra o Ceará, no Morumbi. Pressionado e sem vencer desde 26 de dezembro, o time será comandado nesta reta final de Brasileirão pelo interino Marcos Vizolli, antes técnico do sub-19 e que em dezembro foi alçado ao cargo de auxiliar da comissão técnica. A diretoria não traçou ainda o perfil do novo profissional procurado, mas alguns nomes estrangeiros são bem avaliados “Temos cinco rodadas, acreditamos em bons resultados, mas precisamos pensar no planejamento”, limitou-se a dizer o presidente Julio Casares.