ESPECIAL VIOLÊNCIA NO FUTEBOL: O distúrbio que adoece o esporte no mundo
Um levantamento recente aponta que há um episódio de violência do futebol a cada quatro dias
Os casos de violência no futebol destroem a essência do esporte no mundo

Campinas, SP, 24 (AFI) – Desde a Idade Média, os atos de violência eram vinculados às manifestações de imposição e poder. Diante desse cenário, os jogos entre os gladiadores que lutavam no Coliseu, em Roma, sucediam ao público a afeição à brutalidade e a justificativa baseada nos valores culturais.
Mesmo após alguns séculos de avanço, alguns indivíduos ainda refletem esses traços na competição esportiva.
Isso tem efeito no esporte e, obviamente no futebol, visto que as crianças são incentivadas desde cedo a torcer. Em muitas das vezes, o sentimento de ‘’supervalorização’’ acaba reproduzindo um fanatismo exacerbado.

Números recentes da violência no futebol brasileiro e últimos episódios
Um levantamento divulgado pelo Estadão em março deste ano aponta que há um episódio de violência do futebol a cada quatro dias, entre ônibus atacados, invasões de campo e brigas entre torcedores – dentro e fora do estádio.
Em quatro dos 15 casos registrados na primeira parte de 2022, os jogadores foram vítimas diretas da agressão. Ônibus de delegações, como do Bahia e do Grêmio, foram atacados por pedras e outros artefatos enquanto deixavam o local da partida.
24/02 – Ônibus do Bahia atacado
No dia 24 de fevereiro deste ano, o ônibus do time do Bahia Esporte Clube estava a caminho da Arena Fonte Nova, em Salvador, quando foi atacado com uma bomba. Os jogadores estavam indo para a partida contra o Sampaio Corrêa, pela Copa do Nordeste.
O goleiro Danilo Fernandes sofreu um corte profundo na região próxima aos olhos. Outros jogadores também foram atingidos pelos estilhaços do vidro das janelas.
24/02 – Delegação do Náutico atacada
No mesmo dia do ataque ao Bahia, a delegação do Náutico, clube de Pernambuco, também passou por maus bocados. A van que transportava os membros da equipe foi atingida por objetos que quebraram a janela do veículo e, por muito pouco, não machucou algum dos atletas.
26/02 – Ônibus do Grêmio atacado
Só dois dias depois das confusões na região Nordeste, foi a vez de um time sulista sofrer com a violência da torcida brasileira. O veículo que levava a delegação do Grêmio foi apedrejado enquanto se dirigia para o Beira-Rio, para enfrentar a equipe do Internacional.
O meio-campista Matías Villasanti teve traumatismo craniano após ser atingido por uma das pedras. O jogador chegou a ser internado, mas foi liberado no dia seguinte.
O ataque foi por parte dos torcedores adversários, que arremessaram objetos contra o ônibus dos tricolores.
O confronto Gre-Nal é uma das rivalidades estaduais mais fortes do futebol no Brasil. Na ocasião, o Grêmio se recusou a entrar em campo e a partida foi adiada para a semana seguinte pela Federação Gaúcha de Futebol.
26/02 – Invasão de campo no Paraná Clube
No mesmo dia 26 de fevereiro, um transtorno tomou conta da partida do Paraná Clube pela Série C do Campeonato Paranaense. O jogo marcou o rebaixamento do clube à quarta divisão do estadual e a frustração da torcida terminou em confusão generalizada na Vila Capanema.
Nos minutos finais do jogo, o time de Curitiba perdia de 3 a 1 para o União quando os torcedores invadiram o campo para tentar agredir os jogadores.
Teve posicionamento?
Como medida paliativa, a Confederação Brasileira de Futebol (CBF) realizou mudanças no estatuto da instituição que pudessem servir, mesmo que ainda nitidamente, como um início dessa jornada contra a violência. Para isso, foram convocados representantes de diferentes segmentos da sociedade para debater o tema e promover melhorias.
Torcidas organizadas
Há quase seis anos os clássicos paulistas não contam mais com ambas as torcidas nos estádios. Em abril de 2016 , o Ministério Público de São Paulo estabeleceu que os jogos entre São Paulo, Palmeiras, Corinthians e Santos deveriam contar apenas com torcedores do time mandante. Segundo as autoridades, seria necessário abrir mão da presença da torcida mista para, assim, garantir a segurança nos estádios e minimizar os casos de violência no ambiente do futebol paulista.
Desde então, todos os confrontos entre os quatro maiores clubes paulistas contam apenas com uma das duas torcidas. Os números, porém, mostram que mesmo com apenas uma parcialidade nas arquibancadas, a violência continua sendo um problema latente na rotina do futebol paulista.
A Batalha da Inajar
No dia 25 de março de 2012, um grupo de palmeirenses se reuniu em um posto de gasolina localizado no cruzamento da Avenida Inajar de Souza, uma das mais importantes na cidade de São Paulo. Lá, foram surpreendidos pela chegada de um ônibus lotado de corintianos que ali desembarcaram partiram em direção aos torcedores alviverdes – André Alves Lezo e Guilherme Vinícius Jovanelli Moreira foram as duas primeiras pessoas a morrerem espancadas no episódio trágico – e não seriam as últimas vítimas do cenário de rivalidade brutal tão presente no futebol brasileiro. O caso gerou uma onda de revolta e se tornou um marco da disputa entre torcidas organizadas no estado e mudou a configuração das arquibancadas paulistas.

As investigações sobre esse caso foram encerradas em 2015 após o Ministério Público condenar 29 pessoas – sendo 16 corintianos enquadrados nos crimes de duplo homicídio associação criminosa, enquanto 13 palmeirenses foram denunciados como parte de associação criminosa. Até hoje, ninguém foi condenado e o caso espera por julgamento que está travado por recursos que não foram analisados pelo Tribunal de Justiça de São Paulo.
Números da violência nos estádios hoje
Desde abril de 2016 a torcida única nos clássicos paulistas é uma realidade. A decisão anunciada pelo então Secretário de Segurança Pública de São Paulo, Alexandre de Moraes, hoje ministro do Supremo Tribunal Federal (STF), completa 6 anos de vigência no estado. O decreto é visto pelas autoridades como forma de prevenir, e combater, a violência nos estádios – mesmo que para isso seja necessário abrir mão da alegria da dualidade nos jogos. Mas a sequência de acontecimentos e a permanência dos casos de confusão e briga entre torcedores, mesmo impedidos de dividir arquibancadas, mostra que o problema da violência no futebol é muito delicado e não se restringe ao local da disputa.
A maior parte das ocorrências acontece longe dos estádios. Um artigo publicado no site Placar por Maurício Murad, sociólogo e pesquisador da violência no futebol há mais de 30 anos, traz dados que comprovam a ineficácia da decisão do MP/SP no combate às brigas entre torcedores rivais. Segundo ele, 90% dos confrontos aconteceram em locais que se encontram a até 60 quilômetros distantes do estádio. Em 2019, das 161 mortes registradas causadas por brigas de torcidas, 96% delas ocorreram longe de onde o jogo aconteceu.
A invasão do torcedor ao gramado na disputa da semifinal da Copinha em 2022, decisão entre Palmeiras e São Paulo, também foi palco e prova da ineficiência do poder público e de como faltam iniciativas e políticas que cuidem, de fato, da segurança dos torcedores durante as disputas. No episódio em questão, a camisa na arquibancada era 100% do time do Morumbi e houve uma confusão quando alguns integrantes da torcida tricolor invadiu o gramado na tentativa de agredir os jogadores palmeirenses. Um tempo depois, foi encontrada uma faca no campo, que teria sido arremessada da arquibancada. Ninguém se machucou durante o ocorrido.
O posicionamento das instituições têm pouca expressão
A Federação Paulista de Futebol (FPF) é contra a restrição e chegou a enviar ao Ministério Público um pedido formal pedindo revisão da decisão. Porém, a solicitação não obteve sucesso e a promotoria informou aos clubes que o cenário não mudaria na temporada de 2022. Os clássicos paulistas permanecem com obrigatoriedade de torcida única.
Uma reportagem do portal O Tempo questionou os quatro grandes clubes de São Paulo sobre o decreto. Apenas o Corinthians respondeu ao questionamento e afirmou não ser favorável à medida pela evidente ineficácia do combate a violência. O time do Parque São Jorge também pede que a restrição seja revista pelas autoridades.