Detentos de Limeira acompanham Copa, fazem próprio Mundial e tentam virar o jogo

Mesmo assim, os detentos do Centro de Ressocialização de Limeira, cidade a 156 quilômetros de São Paulo, se esquecem do cárcere por ali, principalmente durante a Copa do Mundo.

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Detentos de Limeira acompanham Copa, fazem próprio Mundial e tentam virar o jogo

Campinas, SP, 03 – A quadra de esportes é vigiada por uma torre de segurança sempre ocupada por um guarda. Os muros de 7 metros parecem ainda mais intransponíveis por causa de uma cerca de arame farpado que arrepia só de olhar. Mesmo assim, os detentos do Centro de Ressocialização de Limeira, cidade a 156 quilômetros de São Paulo, se esquecem do cárcere por ali, principalmente durante a Copa do Mundo. Se a liberdade tivesse um formato, seria uma bola.

Jogos numa prisão são irônicos. Um dos árbitros é Jonatas Sotopietra, de 32 anos, que cumpre pena de dois anos por assalto (artigo 157 do Código Penal). “Os papéis estão invertidos, né? Estou pagando pelo meu erro e, na hora do jogo, eu decido o certo e o errado”. Minutos antes dessa conversa, um agente de segurança tinha feito uma piada. “Aqui dentro, todo juiz é ladrão.”

LEI
A parte disciplinar é levada a sério. Os cartões são os mesmos do futsal, e o mais usado é o amarelo, dado por reclamação. Palavrões também são advertidos. “Discussão sempre tem, mas nunca vi briga”, diz o juiz.

Entrar na cadeia é tenso. Dois idosos, já com cabelo branco, saem para uma visita médica. Algemas, olhar para o chão. Todo mundo só diz “sim, senhor”. Há o medo de se fazer alguma coisa errada ou que descubram um mandado de prisão sabe-se-lá-do-que por causa de um homônimo.

Os agentes também ficam ressabiados. Não é comum a entrada de jornalistas. Uma decisão judicial delimitou com rigor o foco da reportagem do Estadão na última quarta-feira: só esporte.

A quadra fica aberta apenas duas horas pela manhã e duas horas à tarde. “O futebol ajuda a esquecer da realidade”, diz Leonardo Lopes Cordeiro, de 25 anos, preso por se relacionar com uma menor de idade. Sua sensação é cronometrada por um relógio digital. É a liberdade que dura apenas 20 minutos.

Desde 2020, a unidade prisional organiza dois torneios anuais. Por causa da Copa, os times homenagearam as seleções. A final foi disputada entre Brasil e França. Deu Brasil nos pênaltis (fica a dica). Jogos pegados, melhores que alguns do Catar.

O entusiasmo com a Copa diminuiu até o branco das paredes. Os presos fizeram painéis coloridos, bandeiras e desenhos para decorar o centro de convivência.

CONVÍVIO
Todos podem assistir aos jogos em um dos 19 alojamentos nas tevês de 14 polegadas presas no alto das paredes. Emerson Vieira, de 25 anos, preso por tráfico de drogas pela segunda vez, acompanha seu primeiro Mundial encarcerado.

Mas prisão é um lugar traiçoeiro. Quando você pensa que está com a bola dominada, a realidade vem e dá um carrinho por trás. É um lugar de transição, do crime para a sociedade. As mãos que fazem um filé de frango à milanesa macio e um manjar de abacaxi que poderia ser servido numa rotisserie são as mesmas que mataram a companheira. Feminicídio.

PERFIL
De acordo com a Secretaria da Administração Penitenciária, os Centros de Ressocialização (CRs) são “unidades destinadas a custodiados com menor nível de periculosidade”. Aqui estão réus primários, com pena inferior a 10 anos, sem envolvimento com facções criminosas. O ambiente é mais humanizado e menos violento que as cadeias do nosso imaginário, como a de Shawshank, do filme Um sonho de liberdade.

Aqui, a cor predominante é o amarelo: no portão principal e nas portas dos alojamentos. Essas portas não ficam trancadas, o que permite a circulação. No dia da visita do Estadão, os banheiros estavam limpinhos, sem cheiro de xixi ou do número 2. Todos os presos são tratados pelo nome; apelidos são proibidos.

O local funciona acima da sua capacidade. Hoje, são 280 reeducandos onde caberiam 229, o que, na visão do diretor, Fernando Gonçalves Pedro, não compromete.

Há estudo e trabalho nesta prisão. As aulas são oferecidas de segunda a sexta-feira à noite por professores da rede estadual para 155 presos. O trabalho é um dos pilares da ressocialização. Hoje, 16 empresas possuem parcerias com a Fundação de Amparo ao Preso (Funap) e contratam 243 reeducandos, oferecendo remuneração de um salário mínimo de acordo com a Lei de Execuções Penais.

O futebol é tão importante porque representa uma ponte imaginária para o que os reeducandos faziam antes da prisão. Jonatas era diretor esportivo do Pauliceia, time de várzea de Piracicaba. Leonardo era atacante em um time da Cidade Tiradentes, na zona leste de São Paulo. E o futebol também aponta para o futuro. Um reeducando que não quis se identificar disse que tinha começado o jogo perdendo, mas que estava tentando virar o placar. Não ficou claro se ele falava do campeonato, da sua própria vida ou dos dois.

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