Técnico retrata nova cultura da Arábia Saudita: profissionalização e investimento

"A Arábia Saudita tem uma política de valorização do esporte, que começa com a organização de grandes eventos, como a Fórmula 1 e organização de competições"

Agora, sob o comando de Renard, não há improviso e o planejamento é seguido à risca.

Francês dirige a Arábia Saudita
Hervé Renard comanda a Arábia Saudita (Foto: Reprodução/Twitter)

Campinas, SP, 25 – Considerada uma das maiores zebras da história das Copas, desde que a primeira partida de um campeonato mundial foi disputada na uruguaia Montevidéu, a vitória da Arábia Saudita sobre a Argentina não nasceu por obra do acaso.

Basta cruzar as estatísticas e qualquer torcedor ou analista mais atento perceberá que, nos últimos anos, quando o assunto é futebol, eles já podem ser considerados uma potência na Ásia: seja com a sua seleção ou com clubes, como o Al-Hilal, os sauditas sempre têm um candidato a ganhar títulos continentais e presença no Mundial de Clubes.

A surpresa foi o futebol de alto nível coletivo e os destaques individuais que mostraram na sua estreia no Estádio Lusail. Contra a Argentina, com exceção do pênalti cometido, o goleiro Al-Owais fez uma partida de alto nível, com grandes defesas. Entre os jogadores de linha, destaque para o meia Al-Dawsari, o craque do time. Autor de um golaço, contra os argentinos, é ele o responsável pela organização das jogadas mais perigosas da seleção saudita.

INVESTIMENTO

O talento de Al-Dawsari não foi descoberto por sorte. Sua técnica foi lapidada à custa de investimento em educação e esporte. Boa parte dos jogadores, que como ele se profissionalizaram, começou em academias. No caso de Al-Dawsari também pesaram os ensinamentos e a experiência de treinadores estrangeiros, como o português Jorge Jesus e o argentino Ramón Díaz. Patrocinados por membros da família real saudita, os maiores clubes de Riad e Jeddah, as principais cidades do país, têm bons centros de treinamento e estrutura.

E também a contratação de bons jogadores estrangeiros. Caso do brasileiro Michel, ex-Flamengo e Goiás, que divide a missão de criação de jogadas com Al-Dawsari. Mais talentos importados elevaram o nível dos jogadores locais.

“A Arábia Saudita tem uma política de valorização do esporte, que começa com a organização de grandes eventos, como a Fórmula 1 e organização de competições”, disse Hervé Renard, durante a entrevista coletiva antes do jogo de hoje contra a Polônia, pela segunda rodada do Grupo C. “Tudo isso está reduzindo nossa diferença em relação aos melhores: por isso a experiência em participar de Mundiais é tão importante para nós.”

Com material humano mais qualificado, de uns tempos para cá a seleção saudita também tem evoluído. Antes, seus dirigentes eram conhecidos pelo improviso e atitudes passionais. Em 1998, os cartolas sauditas demitiram o então técnico campeão mundial, Carlos Alberto Parreira, depois de perderem para a França. Quatro anos depois, foram tão despreparados para a Copa de 2002, que tomaram uma goleada de 8 a 0 da Alemanha.

SEM IMPROVISO

Agora, sob o comando de Renard, não há improviso e o planejamento é seguido à risca. Horas depois da histórica vitória contra a Argentina, estava previsto um treino para os reservas. Pois mesmo com todo o clima de euforia, o treino foi mantido.

Nomeado técnico da seleção saudita, o francês Hervé Renard já tinha uma folha de serviços prestados e resultados confirmados em seleções como Zâmbia, em 2012, e Costa do Marfim. Ele é bem mais do que o técnico que gosta de usar camisas brancas no banco de reservas.

Ex-assistente técnico do francês Claude Roy, como ele um treinador carismático, as duas maiores qualidades de Renard são a sua facilidade para ler e compreender os movimentos táticos de uma partida e montar armadilhas para os adversários.
Contra a Argentina, foi notável a capacidade dos sauditas pressionarem os adversários, na transição de suas jogadas. E também avançarem a sua defesa, com coordenação, para apanhar os atacantes rivais em posição de impedimento. Só no primeiro tempo foram nove situações de posicionamento fora de jogo.

“Eu e minha equipe técnica estudamos nossos adversários minuciosamente e preparamos um plano de jogo”, diz. “E nossos jogadores têm cumprido”. Mas, mais do que um estudioso das táticas, Renard é exímio na capacidade de motivar elencos.
Um concentrado destas habilidades acabou viralizando em um vídeo divulgado pela Federação Saudita, que mostra os bastidores do vestiário da seleção, no intervalo do primeiro para o segundo tempos. Mostra um enérgico Renard dando uma bronca daquelas nos seus jogadores.

“Os argentinos estão jogando soltos demais, principalmente o Messi”, esbravejou. “Se for para deixá-lo solto, peguem seus celulares e tirem fotos com ele.” Foi com planejamento e motivação que os sauditas tornaram-se uma das surpresas da Copa do Catar. Polônia é México que se cuidem!

Fernando Valeika de Barros, especial para AE

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