O Futebol e a Política do Líbano

O povo libanês é fanático por futebol, mas o esporte é maltratado pelas constantes brigas internas do país. Entenda um pouco desta história.

No Líbano, Albino Castro torce para o Al-Ansar, o maior clube do país e que foi campeão em 2021. A divisão principal reúne 12 clubes

Beirute - Capital do Líbano
Albino Castro: testemunha ocular do Líbano em 1982

Por ALBINO CASTRO

Nosso colaborador ALBINO CASTRO é um ‘craque’. Começou como comentarista esportivo e na sua longa carreira no jornalismo brilhou como diretor de várias emissoras de televisão, porém, sem perder paixão pelo futebol.

No Líbano ele torce para o Al-Ansar, o maior clube do país que foi campeão em 2021. A divisão principal é chamada LEBANESE PREMIER LEAGUE. Ela reúne 12 clubes. A política interna do Líbano é multifacetada, e muitas vezes atrapalhou o andamento normal das atividades destes 12 clubes.

Hoje, ALBINO CASTRO nos coloca ao par da política atual daquele país do explosivo Oriente Médio.

LÍDER CRISTÃO RESPEITADO
Às vésperas de completar 70 anos, que acontecerá em 15 de outubro deste 2022, o católico maronita Samir Geagea, incansável Comandante das Forces Libanaises, é, hoje, aos olhos de seus próprios compatriotas e da maioria das nações de língua árabe, inclusive a influente Arábia Saudita, o principal líder cristão do país do Mediterrâneo Oriental – o que possibilitaria ser o nome mais indicado para suceder o atual Presidente General Michel Aoun, de 88 anos, nas eleições programadas para novembro deste ano.

Mas, devido à preservação de ‘equilíbrios’ e acordos históricos, que, de uma certa maneira, garantem ao Líbano, malgrè tout,  a convivência democrática, o Hakim Geagea, mais uma vez, não será candidato – conforme já ocorrera no pleito de novembro de 2014. Há oito anos ele chegou a ser apontado como sucessor do General Michel Suleiman, hoje, com 73 anos,  que teve o mandato prorrogado por dezessete meses.


Geagea é, sem dúvida, o mais destemido e respeitado entre todos os líderes cristãos do Oriente Médio – incluindo outras nações tradicionais como Chipre, Armênia e Georgia. Considerado um legítimo ‘filho do povo’, nascido no tradicional bairro cristão de Ain El-Remm Aneh, na região Leste de Beirute.

Contudo é originário de uma família de classe média da sagrada Becharre, cidade natal do poeta Gibran Khalil Gibran (1883 – 1931), ao Norte do Monte Líbano, Geagea é o único dos grandes líderes comunitários do país, entre cristãos e muçulmanos, que não pertence a um clã de notáveis.


REVERENCIADO E CHAMADO HAKIM

Mas, na sua querida pátria dos milenares cedros, assim como em todo o Oriente, é reverenciado e carinhosamente chamado de Hakim – palavra que em árabe significa, igualmente, sábio e médico, em alusão ao fato de ter estudado, a partir de 1972, na Faculdade de Medicina da célebre Universidade Americana, na capital libanesa, sem concluir o curso por causa do envolvimento, primeiro, como militante e, depois, comandante das Forces Libanaises , no último conflito no país (1975 – 1990).
 

Um dos grandes protagonistas cristãos do Líbano contemporâneo, país que comemorará em 2023 os 80 anos da Independência, proclamada durante a Segunda Guerra (1940 – 1945), Geagea, cujo pai era chefe da fanfarra do exército, é comparado, com justiça, aos notáveis estadistas maronitas.

Como Camille Chamoun ( 1900 – 1987) e Fouad Chehab (1902 – 1973), ambos presidentes da República, o primeiro, de 1952 a 1958 e, o segundo, de 1958 a 1964, bem como a Pierre Gemayel (1905 – 1984), fundador do Partido Kataëb, a Falange Libanesa, e ao filho Béchir Gemayel (1945 – 1982), criador das Forces Libanaises, às quais Geagea se juntaria pouco depois do início do confronto armado.

ATENTADO E MORTE
Ele se tornaria, na prática, o braço direito de Béchir Gemayel, principalmente depois que este foi eleito presidente do país, impedido, porém, de tomar posse, assassinado num atentado à bomba que destruiu a sede do Partido Kataëb, no bairro cristão de Achrafieh, em Beirute, em 14 de setembro de 1982.

Acabaria por substituir Béchir Gemayel, na presidência do país, o irmão Amin Gemayel, atualmente com 80 anos, e, no comando das Forces Libanaises, o controvertido Elie Hobeika (1956 – 2002), sucedido pouco depois, em 1986, por Geagea.

Os 40 anos do assassinato de Béchir Gemayel, inclusive, mereceram em São Paulo, no último dia 18 de setembro, uma Missa em homenagem ao líder desaparecido, na Catedral Maronita, à Igreja de Nossa Senhora do Líbano, no bairro da Liberdade. Compareci, com muita honra, convidado pelo Presidente das Forces Libanaises no Brasil, Raymond Betty, de quem sou amigo e admirador pelo trabalho que desenvolve entre os emigrantes libaneses no País.  

COMANDANTE DA RÉSISTANCE

Há 36 anos Geagea é o comandante da poderosa organização da Résistance que defendeu todos os cristãos e algumas comunidades muçulmanas, entre as décadas de 1970 e 1980, contra a OLP (Organização para a Libertação da Palestina), do egípcio Yasser Arafat (1929 – 2004), apoiada pela então União Soviética, para além de outras guerrilhas palestinas sob o comando dos jordanianos Georges Habach (1925 – 2008) e Nayef Hawatmeh, hoje com 86 anos.

O final da guerra libanesa encontraria os cristãos bastante enfraquecidos e, sobretudo, dramaticamente divididos. O último ano do conflito, 1990, foi todo marcado pelos confrontos entre as Forces Libanaises e o General Michel Aoun, católico maronita como Geagea, porém, ao ocupar interinamente a presidência da República, com o fim do mandato de Amin Gemayel, tentou em vão desarmar, unilateralmente, os próprios cristãos.

Ele queria – e conseguiu – preservar armadas as milícias xiitas. E hoje, como sabemos, Aoun é o principal aliado maronita do Hezbollah. As Forces Libanaises foram, finalmente, ‘desarmadas’ em 1994. Mesmo ano em que Geagea seria jogado nas masmorras do Ministério da Defesa, sob a absurda acusação de ter organizado o atentado que matou onze pessoas, no dia 27 de fevereiro de 1994, durante a missa dominical das 11 horas, na igreja maronita de Sayydet al-Najat (Nossa Senhora da Salvação), na região de Zouk Mikhail, ao norte de Beirute.  

ONZE ANOS NA ‘SOLITÁRIA’

Injustiçado e sacrificado, Geagea passou onze anos preso num cubículo no qual mal cabia em pé. Uma ‘solitária’. A única visita permitida, uma vez por mês, era a da própria mulher, Sethrida Tok Geagea, que jamais se distanciou do marido, submetendo-se a humilhações para poder vê-lo e tentar confortá-lo por todo o período em que esteve detido.

Geagea foi preso em 21 de abril de 1994 e solto em 26 de julho de 2005 – dia em que as tropas da Síria deixaram o Líbano após vinte anos de presença. Desde então Geagea reassumiu, à luz do dia, a invejável liderança da maioria dos compatriotas cristãos.

Merecendo a admiração e estima de jornalistas, como eu, que, nos conflitos de 1982, estive por mais de dois meses em Beirute, como enviado especial da revista semanal brasileira Istoé, acompanhando a invasão israelense, comandada pela General Ariel Sharon (1928 – 2014), bem como a eleição presidencial de Béchir Gemayel e, posteriormente, seu assassinato – com a explosão do quartel-general das Forces Libanaises, local onde estive dias antes em busca de uma entrevista com o novo mandatário da martirizada nação. O que, infelizmente, nunca aconteceria. 


CONTIDO E VOZ PAUSADA

Geagea, sucessor de Béchir à frente das Forces Libanaises, é um homem de gestos contidos e voz pausada, mas capaz de uma eloquência contagiante em momentos difíceis. O sábio Hakim aprendeu, nos dolorosos anos de cárcere, a ter paciência e a não perder a esperança.

Também aprendeu a distinguir a sutil diferença entre adversários e inimigos. Adversários são todos aqueles que, estando em partidos ou segmentos contrários, se batem pelo predomínio de suas ideias e programas de governo. Já os inimigos são aqueles que querem, implacavelmente, destruir os opositores.

São os mesmos, por exemplo, que mantiveram cruelmente por onze anos Geagea numa ‘solitária’, privado de ‘banho de sol’, por acreditar que ele morreria um pouco a cada dia, com o sofrimento prolongado. Geagea aprendeu a esperar e a não se desesperar – o desespero o teria levado à loucura.

RARA SABEDORIA

Por isso, com a sua sabedoria, forjada ao longo de anos de suplício nos porões do Ministério da Defesa, sabe muito bem que a eleição presidencial de um ‘senhor da guerra’ só aconteceria se alavancada por amplos setores das diferentes comunidades étnico-religiosas do Líbano – como ocorreu em 1982 na vitória de Béchir Gemayel.

O candidato ideal, hoje, segundo analistas libaneses, teria o perfil de dois ex-Presidentes: o General Fouad Chehab, já mencionado acima, e Elias Sarkis (1924 – 1985), cujo mandato se estendeu de 1976 a 1982. Ambos independentes e nacionalistas. O sucessor de Aoun necessitará do ‘laisser-passer’ de Geagea, Que não poderá ser votado, mas, seu apoio, é determinante para o vencedor.  

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