Portugal aposta em juventude e Cristiano Ronaldo contra desconfiança no técnico

Apesar da recente trajetória e de contar com ótimos jogadores, Portugal ainda não aparece na lista de favoritas ao título

Em 2022, Cristiano Ronaldo disputará possivelmente sua última Copa do Mundo. Será sua quinta participação. Até aqui não conseguiu atuar da maneira esperada

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Cristiano Ronaldo disputou sua primeira Copa em 2006 (Foto: Divulgação/Portugal)

Campinas, SP, 22 – A seleção portuguesa disputará no Catar a sua sexta Copa do Mundo consecutiva. Antes dessa sequência iniciada em 2002, Portugal só havia participado de outros dois Mundiais: em 1966 e 1986, em que obteve sua melhor classificação, o terceiro lugar. Apesar da recente trajetória e de contar com ótimos jogadores, que figuram nas mais competitivas ligas da Europa, o time ainda não aparece na lista de favoritas ao título.

Ao lado da Holanda, Portugal parece fadada ao posto de coadjuvantes que nunca conquistaram o título mundial. Nem mesmo contando com Cristiano Ronaldo, o conjunto lusitano conseguiu ter uma participação memorável nos últimos anos. A exceção foi em 2006, na Alemanha, quando, sob o comando de Luiz Felipe Scolari, terminou a competição na quarta posição.

Ricardo; Miguel, Fernando Meira, Ricardo Carvalho e Nuno Valente; Costinha e Maniche; Deco, Figo e Cristiano Ronaldo; Pauleta. Essa era a formação principal da seleção de Felipão, que venceu jogos épicos nas oitavas e quartas de final, diante da Holanda, em Nuremberg, e da Inglaterra, em Gelsenkirchen. A eliminação ocorreu diante da França, em jogo marcado por polêmica de arbitragem, na marcação de um pênalti, que originou o gol solitário de Zidane, garantindo os franceses na decisão.

Desde então, Portugal vivencia enorme desconfiança, apontada como um dos fatores que não deixam o time lusitano prosperar. Depois do treinador brasileiro, passaram Carlos Queiroz e Paulo Bento, ambos sem sucesso. Com o primeiro, eliminação nas oitavas da Copa do Mundo da África do Sul, em 2010. Sob o comando do ex-treinador do Cruzeiro, os portugueses não superaram a fase de grupos na Copa do Mundo do Brasil, em 2014.

MUDANÇA DE ROTA

Ao término do Mundial em terras brasileiras, o comando da seleção portuguesa escolheu permanecer com Paulo Bento como treinador. Seu primeiro desafio no novo ciclo foi diante da Albânia, em Aveiro, pelas Eliminatórias da Euro 2016. O jogo terminou com derrota lusitana por 1 a 0, vaias da torcida e lenços brancos nas arquibancadas em sinal de adeus ao técnico. Poucos dias depois, foi oficializada a saída de Paulo Bento. Em seguida, a seleção portuguesa anunciou seu novo treinador. Fernando Santos, que levara a Grécia às oitavas de final da Copa do Mundo do Brasil, foi o escolhido.

Fernando Santos teve seu melhor momento como treinador em Portugal quando liderou o Porto ao título nacional na temporada 1998/99. Também teve passagens por Benfica e Sporting, mas fez seu nome na Grécia. Por lá, trabalhou no AEK, no Panathinaikos e no Paok. Mesmo não somando muitos troféus, foi escolhido o melhor técnico da década na Grécia e abriu os olhos do país para os treinadores portugueses, como Abel Ferreira, que comandou o Paok antes de chegar ao Palmeiras.

Os bons serviços prestados para os gregos renderam a Fernando Santos a nomeação com treinador da seleção de seu país. Dono de um estilo mais sério e contundente de lidar com seus atletas, Santos é um treinador que preza pela organização tática da equipe. Ele acredita, como muitos da escola moderna de treinadores lusitanos, que a defesa é a sustentação de uma boa equipe. Todos do time têm de ser capazes de atacar e defender, com ou sem a bola.

SUSTENTÁCULO

Foi na base do pragmatismo que Fernando Santos conduziu Portugal ao título mais importante de sua história. A Euro de 2016, sobre a França, dona da casa, teve um gosto tão forte na boca dos portugueses que é capaz de sustentar o treinador até agora no cargo, apesar das consecutivas críticas que recebe.

Naquele torneio, a seleção portuguesa venceu apenas um jogo no tempo normal: sobre País de Gales, na semifinal. Na primeira fase, foram três empates (Islândia, Áustria e Hungria) e classificação na bacia das almas, como um dos melhores terceiros colocados. Nas oitavas, triunfo sobre a Croácia na prorrogação. Nas quartas, os pênaltis foram necessários para superar a Polônia. Após vencer Gales, os portugueses chegaram à final diante da anfitriã França. Novamente, a prorrogação foi aliada, e Éder, nascido em Guiné-Bissau e esquecido das últimas convocações, foi o herói do título.

Há quem aponte que o técnico Fernando Santos é o grande empecilho para que Portugal tenha reais chances de brigar pelo Mundial do Catar. Os tropeços recentes apontam uma seleção que parece jogar com as redes puxadas, com muitas preocupações defensivas que impedem a equipe de prosperar ofensivamente, com base na alta qualidade técnica de sua geração.

“Fernando Santos é o selecionador português que lançou mais jogadores na equipe profissional (cerca de 60), estando no cargo desde 2014. Dois anos mais tarde, alcançou um feito histórico com a conquista do Euro-2016. No entanto, nem sempre a mesma receita leva ao sucesso. Para o contexto, momento e complementaridade desse plantel, a receita proposta funcionou e talvez tenha havido a tentação de manter o guião, mas com outros atores. O que raramente corre bem”, afirma Diogo Miguel Nunes, jornalista português e narrador de A Bola TV.

O técnico Argel Fuchs foi treinado por Fernando Santos no Porto, entre 1998 e 1999. Hoje comandando o Alverca, da terceira divisão portuguesa, o ex-zagueiro entende que o prestígio do comandante da seleção lusitana se dá especialmente pelas conquistas da Euro-2016 e da Liga das Nações-2019. O Campeonato Europeu entregou notoriedade à comissão técnica pelo seu ineditismo. Portugal havia batido na trave, diante de sua torcida, em 2004, sob o comando de Luiz Felipe Scolari. Para os brasileiros, um título continental, como a Copa América, não costuma ter grande relevância, mas aos portugueses, erguer a Eurocopa foi um feito sem igual.

“A seleção portuguesa nunca é favorita, mas pode ser surpresa, como na Euro-2016. Há um material humano muito bom. Fernando Santos tem colocado jovens atletas nos jogos mais recentes. Não subestimaria a força de Portugal. É uma seleção homogênea. A Copa do Mundo é um torneio de tiro curto. Se encaixa e dá certo, Portugal pode chegar muito longe”, avalia Argel Fuchs.

Fernando Santos tem investido em atletas jovens, do goleiro ao centroavante. Nesta convocação, são oito atletas com 23 anos ou menos: o arqueiro Diogo Costa, os defensores Nuno Mendes, Dalot e Djaló, o meia Vitinha, além dos atacantes João Félix, Rafael Leão e Pedro Neto.

“A seleção portuguesa tem uma das suas melhores safras da história. É um time muito forte, e o segredo pode estar na mescla de jogadores jovens e experientes: um Rafael Leão com um Cristiano Ronaldo. Há uma confiança de que no Catar a equipe possa deslanchar”, assegura Argel.

Na Copa da Rússia, em 2018, apesar do peso de ser a atual campeã europeia, a seleção de Portugal não conseguiu fazer uma boa campanha, abusou dos empates na fase de grupos, avançou com o segundo lugar e caiu na etapa seguinte contra o Uruguai. Em 2019, Fernando Santos conduziu a equipe ao título da primeira edição da Liga das Nações. A final foi disputada na cidade do Porto, com Portugal levando a melhor sobre a Holanda, 1 a 0.

“Fernando Santos poderá ser outra das explicações (para Portugal não ser favorito). Apesar de ter levado o país à conquista de dois títulos inéditos – sucesso e méritos que lhe são reconhecidos -, a continuidade do ‘engenheiro’ à frente da seleção não é consensual entre todos os portugueses. Ainda assim, Fernando Santos tem o apoio dos jogadores e enquanto assim for tudo indica uma continuidade”, analisa Sérgio Magalhães, jornalista do periódico português Record.

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Portugal lutou para estar na Copa (Foto: Divulgação / Portugal)

PIRRONISMO

As atuações recentes de Portugal levantam suspeitas sobre seu desempenho na Copa do Mundo do Catar. Na última Euro, eliminada nas oitavas pela Bélgica. Nas Eliminatórias, quando dependia apenas de suas forças, foi superada pela Sérvia no Grupo A e precisou da repescagem para carimbar o passaporte. Após ganhar da Turquia, poderia pegar a Itália, mas a tetracampeã mundial foi surpreendida pela Macedônia do Norte, que mais tarde não foi páreo para os portugueses.

“A derrota com a Sérvia parece ter despertado os responsáveis para a necessidade de alterações e o playoff já demonstrou algumas melhorias”, complementa Diogo Miguel Nunes.

O flerte com o fracasso nas Eliminatórias poderia ter custado o emprego de Fernando Santos. O tema foi debatido na imprensa local, mas a Federação Portuguesa assegurou a continuidade do treinador, confiante na classificação para o Mundial.

O ceticismo persegue a seleção portuguesa. Ao não constar na lista de favoritas, instantaneamente se lhe emprega um papel nebuloso. Como Fernando Santos fez escola no futebol grego, nada melhor que comparar o estado permanente de dúvidas sobre Portugal com a filosofia de Pirro de Élida.

“Portugal tem uma seleção com muita qualidade e um ‘coringa’ chamado Cristiano Ronaldo. Ainda assim, por mais estranho que pareça, nem sempre é fácil criar um modelo em que todos encaixem na perfeição e consigam dar o melhor de si. Esse é o desafio de Fernando Santos. A cada peça do quebra-cabeças que consiga colocar no lugar certo, Portugal estará mais próximo de repetir ou superar os feitos de 1966 e 2006, sendo sempre um candidato, mas nunca um favorito”, conclui Diogo Miguel Nunes.

“Atualmente, a seleção portuguesa é, sem sombra de dúvida, composta por alguns dos melhores jogadores do mundo nas suas posições. Existem vários exemplos que poderiam ser aqui dados, desde o ‘trio’ do Manchester City Rúben Dias, João Cancelo e Bernardo Silva, passando ainda pelo ‘trio’ do United: Diogo Dalot, Bruno Fernandes e Cristiano Ronaldo. Qualidade não falta, mas a verdade é que em termos coletivos ainda falta muito para Portugal ser considerado uma das melhores seleções do mundo”, complementa Sérgio Magalhães.

Para Bruno Henrique, repórter do jornal A Bola, a seleção portuguesa pode ser apontada como favorita em 2022, principalmente por contar com importantes nomes, como Rúben Dias, João Cancelo, Bernardo Silva, João Félix, Bruno Fernandes e Diogo Jota.

“A principal questão aqui passa pela coabitação de toda esta qualidade no mesmo onze, sem perder consistência defensiva, uma das grandes preocupações do selecionador Fernando Santos”, explica. O jornalista cita as frustrantes eliminações para Uruguai (na Copa de 2018) e Bélgica (na Euro de 2020) para reforçar as preocupações com o conjunto lusitano. “Este é um problema transversal à grande maioria das equipes europeias”, relata.

CRISTIANO RONALDO

Na atual temporada, Cristiano Ronaldo está distante do prestígio conquistado ao longo dos últimos anos. O astro português tentou de todas as maneiras deixar o Manchester United na última janela de transferência para atuar em algum clube que participasse da Liga dos Campeões. Apesar do contato com importantes equipes, treinador e diretores vetaram a chegada do craque.

Muito da implicância se deve pelo personalismo observado em Cristiano Ronaldo. Apesar de toda a sua dedicação quanto atleta, muitas vezes o relacionamento com o grupo diante de suas ambições pessoais provoca descontentamento e não deixa o time, como um todo, prosperar.

Em 2022, Cristiano Ronaldo disputará possivelmente sua última Copa do Mundo. Será sua quinta participação. Até aqui não conseguiu atuar da maneira esperada. Em 2006, ainda não era protagonista e desde então, enquanto os holofotes universais se voltaram para ele, o atacante não conseguiu desfilar nos Mundiais o mesmo futebol que apresentava nos clubes. No Catar, a missão parece ser diferente. Tem bons companheiros e precisará na seleção demonstrar uma paixão que não se vê mais com a camisa do United.

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