ALBINO CASTRO - Senza la Magia Azurra
Há quatro anos, aqui mesmo, no Futebol Interior, escrevi que faltaria charme e elegância à Copa do Mundo, a ser disputada na Rússia, com a triste ausência da Azurra. O mesmo acontece agora no Catar.
Os italianos foram eliminados há quatro anos, na repescagem, pela Suécia, e agora pela Macedônia do Norte, uma das seis repúblicas dos Balcãs
Por ALBINO CASTRO
São Paulo, SP, 8 (AFI) – Há quatro anos, aqui mesmo, em Futebol Interior, escrevi que faltaria charme e elegância à Copa do Mundo, a ser disputada na Rússia, com a triste ausência da querida Squadra Azzurra, vencedora por quatro vezes da maior competição do planeta – 1934, 1938, 1982 e 2006.
Os italianos foram eliminados há quatro anos, na repescagem, pela Suécia, depois de perder por 1 a 0 e empatar em 0 a 0. O mesmo, infelizmente, acontecerá no Mundial deste ano, no Catar, previsto para os meses de novembro e dezembro – após ser novamente eliminada, na repescagem, por 1 a 0. Em jogo único, em Palermo, capital da Sicília, pela Macedônia do Norte, uma das seis repúblicas dos Bálcãs que integravam a antiga Iugoslávia.
FRUSTRANTE
Muito frustrante, sobretudo, depois de a Azzurra ter se reabilitado, em 2020, e conquistado a Eurocopa de Seleções, ao bater, na final, a Inglaterra, nos pênaltis, por 3 a 2, após empate de 1 a 1, no Estádio de Wembley, em Londres.
A Itália ficará fora pela quarta ocasião – como em 1930, no Uruguai, porque a Federcalcio, a Federação Italiana de Futebol, se recusou a enviar jogadores para cruzar o Atlântico e disputar, à margem Oriental do Rio da Prata, a recém-criada Coupe du Monde, e em 1958, na Suécia, quando o Brasil alcançaria o primeiro de seus cinco títulos.
ÚNICA CAMPEÃ FORA
A Azzurra, desta feita, será a única das campeãs que estará alijada do grande evento. As demais estarão presentes: Brasil (com cinco títulos), Alemanha (quatro), Uruguai, Argentina e França (dois cada) e Inglaterra e Espanha (um cada). Sendo que a Alemanha é séria candidata a superar a Itália.
O Brasil, único país a nunca faltar a um Mundial, poderá chegar ao hexacampeonato e ficar duas copas à frente dos germânicos e peninsulares.
A HISTÓRIA DAS COPAS
Os campeões da primeira Copa do Mundo, em 1930, foram os uruguaios da mítica Celeste Olímpica – ganhadora das Olimpíadas de 1924, em Amsterdã, e de 1928, realizados em Paris. O Uruguai derrotou a Argentina, na final, por 4 a 2, em Montevidéu, no Estádio Centenário – construído para ser palco daquele torneio projetado pela FIFA sob o comando do idealista francês Jules Rimet (1873 – 1956).
Passaria a ocorrer a cada quatro anos. A Itália se tornaria a primeira bicampeã no auge do regime fascista do Duce Benito Mussolini (1883 – 1945), amante do futebol e um dos incentivadores da fundação, em 1927, da Roma – um dos times mais populares, hoje, do Bel Paese.
Foi o Duce, inclusive, quem encorajaria a escalação na Azzurra de 1934, de diversos jogadores oriundi, isto é, filhos de italianos, nascidos na diáspora. Era treinada pelo legendário Vittorio Pozzo (1886 – 1968), um grande estrategista, natural da piemontesa Turim.
Ele soube reunir na sua seleção, para além dos maiores craques peninsulares, quase todos provenientes da Juventus, de Turim, e de Milan e Internazionale, ambos de Milão, alguns dos melhores oriundi da América do Sul.
Como os argentinos Luisito Monti (1901 – 1983), centromédio do San Lorenzo de Almagro e campeão de 1921 no Huracán, o meia-esquerda Demaría (1909 – 1990), do decano Gimnasia y Esgrima de La Plata, e os ponteiros canhotos Enrique Guaita (1910 – 1959), do Estudiantes de La Plata, e Raimundo “Mumo” Orsi (1901 – 1986), do Independiente – sagrando-se campeão carioca de 1939 pelo Flamengo.
PONTA FILÓ
E havia ainda um quinto oriundo, o brasileiro Amphilóquio Guarisi Marques (1905 – 1974), o ponta-direita Filó, nascido em São Paulo, filho de pai português, Manuel Augusto Marques, um dos instituidores, em 1920, da Portuguesa de Desportos, e de mãe italiana.
Conhecido na Itália pelo sobrenome materno Guarisi, Filó, que brilhara, aqui, na própria Lusa e no Paulistano, seria o primeiro brasileiro a se tornar campeão do mundo.
Pozzo costumava argumentar, para justificar a convocação de tantos ‘oriundos’ no seu escrete, numa época na qual o nacionalismo estava fortemente presente, que, se os descendentes vindos das Américas lutaram e morreram pela Itália, durante a Grande Guerra (1914 – 1918), defendendo a dinastia da Casa dos Savoia, “também podem jogar pela Itália”.
Aliás, muitos não sabem, mas a coloração azzurra da camisa italiana remete exatamente à cor da dinastia dos Savoia – originária, como Pozzo, do Piemonte, ao Norte, vizinho da Região da Lombardia e fronteiriça à França.
EM CIMA DO BRASIL
Vivi intensamente, em 1982, a terceira conquista da Azzurra do alto de uma das sete colinas de Roma, onde se encontra o nobilíssimo bairro do Aventino, no qual residia, diante do Rio Tibre e de Trastevere – próximo ao caríssimo quartiere popular do Testaccio e do esplêndido Circo Massimo.
Foi uma Copa do Mundo muito especial – disputada na Espanha. Teve o histórico confronto, numa segunda-feira, 5 de julho, em que a Itália, com três golaços de Paolo Rossi (1956 – 2020), astro da Juventus, derrotou por 3 a 2 o Brasil, então a sensação, ocasionando a inesquecível manchete de primeira página do diário milanês La Gazzetta dello Sport, ao estampar “Il Brasile siamo noi”.
SUBIDA E TÍTULO
Algo como “Nós somos o Brasil”, ou seja, a Itália do técnico friulano Enzo Bearzot (1927 – 2010), que principiara mal a competição, passava ser o novo Brasil, a partir da heroica vitória no Estádio de Sarriá, em Barcelona, do entrañable Real Español.
Os italianos se reinventaram e obteriam o título após eliminar o decantado escrete do treinador Telê Santana (1931 – 2006), que tinha estrelas como Júnior, Falcão, Toninho Cerezo, Sócrates e Zico. Craques que, no ano seguinte, seriam contratados pelas equipes peninsulares, respectivamente, Torino, Roma (Falcão e Toninho Cerezo), Fiorentina e Udinese.
FINAL COM JUIZ BRASILEIRO
A final da memorável Copa do Mundo aconteceu no majestoso Estádio Santiago Bernabéu, do Real Madrid, no dia 11 de julho, e a Azzurra derrotou a Alemanha Ocidental por 3 a 1. Foi uma tarde de domingo com muito sol madrilenho e emoção.
Estavam sentados, lado a lado, na Tribuna de Honra, o grande anfitrião, o Rei Don Juan Carlos I de Borbón, pai da redemocratização da Espanha, em 1976, e o Presidente da Itália, o socialista Sandro Pertini (1896 – 1990), que se bateu, na Segunda Guerra (1940 – 1945), como partigiano, na Resistência contra o nazifascismo.
A partida foi apitada pelo brasileiro Arnaldo César Coelho (primeiro árbitro não europeu a apitar uma final de Mundial) e começou às 20 horas – horário de Madri e Roma. Os alemães iniciaram melhor, porém, foram os italianos que dominaram o placar. Fizeram 1 a 0, 2 a 0 e 3 a 0… Só então os tedeschi, como são denominados os alemães em italiano, fizeram o gol de honra.
A Itália assistia em silêncio a transmissão televisiva da RAI (a Rádio e Televisão Italiana). Temendo sempre uma reviravolta. Os italianos, ao contrário dos brasileiros, nunca comemoram antes da conquista. Acreditam que porta iela – dá azar.
SEM FESTA
Por isso ninguém se atreveu a preparar uma festança… “Guarde che la Germania è troppo forte”, disse-me naquela manhã, temeroso, o meu giornalaio, o jornaleiro do Viale Aventino. Germania é como os italianos chamam a Alemanha – amplamente considerada pela imprensa a favorita contra a Itália de Paolino Rossi.
Terminada a partida, sem que nada estivesse combinado, a Itália saiu às ruas e celebrou noite adentro a inesperada e retumbante vitória sobre a Germania. Eu mesmo deixei minha casa, no Aventino, e desci a colina rumo à Piazza Venezia, centro das manifestações espontâneas, que se expandiam para a Via del Corso, Via dei Tritoni, Piazza del Popolo, Via Nazionale e Piazza della Repubblica…
Estávamos todos surpresos pelo feito da Azzurra e muitos, em coro , ‘xingavam’, à maneira italiana, os adversários: “Germania, Germania, vafanculo!!!” – cuja tradução prefiro não escrever. A indignação parecia atravessada na garganta desde a Segunda Guerra quando o país foi ocupado pelas forças militares da Alemanha nazista.
CIRCOLO ITALIANO
Também vivi intensamente, em 2006, a quarta conquista italiana da Copa do Mundo no domingo, 9 de julho. Já não morava em Roma. Estava em São Paulo e acompanhei pela televisão, nos salões do paulistano Circolo Italiano, no primeiro andar do Edifício Itália, na esquina das avenidas Ipiranga e São Luís, a vitória da Azzurra contra a França, nos pênaltis, por 5 a 3, após empate de 1 a 1 no tempo regulamentar e na prorrogação. Foi um jogaço.
A Seleção Italiana, mais uma vez, como em 1934, 1938 e 1982, era baseada na poderosa Juventus, equipe da família Agnelli – proprietária da Fiat. Igualmente, no Circolo Italiano, ninguém ousou comemorar antes da hora. Foi um match muito travado e empatado até o fim.
A finalíssima se deu no Estádio Olímpico de Berlim – erguido pelo nazismo para as Olimpíadas de 1936. O franco-argelino Zinédine Zidane acabaria expulso depois de dar uma cabeçada no zagueiro Marco Materazzi – da Internazionale de Milão.
A explosão de alegria, após a vitória nos pênaltis, transportou, na minha imaginação, os salões do Circolo Italiano de 2006 para a romana Piazza Venezia de 1982. Já não gritávamos palavrões. Apenas “Forza Italia!!!”.
MENOS ATRAENTE
Nesta Copa do Mundo, sem a Azzurra, a competição ficará, para mim, menos atraente. E menos emocionante. Não ouviremos o Inno di Mameli, na verdade, uma preciosa fanfarra, na qual, na primeira estrofe, é proclamada, a pleno pulmão, que “L’Italia s’è desta”…
Que se levante a intrépida Azzurra para os futuros mundiais. É muito triste imaginar, só imaginar, o quanto os italianos, que tanto amam o calcio, se sentirão órfãos. Eles não merecem.
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