No futebol de amputados, Celestino13 tem Luis Fabiano como espelho após drogas
Overdoses, uma tentativa de suicídio e internações fizeram parte da sua rotina que começou a mudar quando uma quase tragédia
Campinas, SP, 11 – Logo de cara, quem assiste Thiago Celestino no futebol de amputados percebe que ele não está para brincadeiras. A cara sisuda já é uma forma de mandar um recado para os rivais: “nos campeonatos, os zagueiros gostam de botar pressão. Mas aqui, quem intimida eles sou eu. Quando eu entro em campo, dou a minha vida”. A casca grossa que dá forma ao personagem Celestino13 (como gosta de ser chamado), no entanto, mostra um histórico superlativo de sofrimento e superação. Desde que foi apresentado às drogas, aos 19 anos, seu mundo desmoronou. Overdoses, uma tentativa de suicídio e internações fizeram parte da sua rotina que começou a mudar quando uma quase tragédia culminou com a amputação da perna esquerda em um acidente de moto. A partir daí, um divisor de águas desviou o personagem do abismo iminente e o levou a um novo horizonte. Tudo graças ao esporte.
“Eu era louco. Na verdade, o mais louco de todos. Usava cocaína e ficava de dois a três dias chapado. Todos os dias eu me drogava. No meu estágio mais crítico, cheguei a consumir 35 papelotes das 18h até meia-noite. Era só cocaína no corpo. Passei por início de overdose e fiquei três dias só vomitando. Mas Deus entrou na minha vida com um propósito e não tenho o que reclamar. Hoje em dia, graças a Ele, eu sou um atleta”, disse Celestino em entrevista ao Estadão.
Apesar de ser palmeirense de carteirinha, é um ex-jogador que fez história no São Paulo que o inspira em campo. “Como meu irmão é são-paulino, via muito o Luis Fabiano jogar. E com ele não havia tempo ruim. Não tinha medo de nada, era um brigador. Fazia tudo pelo time e também pelos companheiros. É o jeito que eu faço, é o jeito que eu sou.”
Aos 36 anos, Celestino projeta uma retomada no futebol de amputados que teve uma paralisação provocada pela pandemia da covid-19. O Campeonato Paulista tem início previsto para o mês que vem. Ponte Preta e Guarulhos sinalizaram interesse na sua aquisição, mas o acerto acabou acontecendo no último final de semana com o Sorocaba.
“Depois de jogar e ser campeão brasileiro no Corinthians em 2018, defendi o time do Instituto Só Vida. Lá, fui vice-campeão paulista e terceiro colocado na Copa do Brasil. No ano passado estive no São Paulo, mas como o projeto no Morumbi parou, acertei com o Sorocaba para esta temporada. Eles estão montando uma equipe para brigar por todos os troféus este ano”, comentou.
A empolgação com que fala do futebol de amputados tem também ramificação para o jiu-jítsu, outra modalidade que entrou na sua vida para afastá-lo das drogas. “Antes de me viciar em cocaína, fazia boxe, andava de skate, jogava capoeira. E isso contra adversários mais velhos. Passei a lutar jiu-jítsu depois da amputação. Quando você cai no chão, a deficiência some. Encaro adversários sem nenhuma anomalia física. Quanto mais pratico, mais me sinto uma pessoa normal.”
As lutas ajudaram Celestino a se livrar, literalmente, do sobrepeso acumulado por dois anos presos a uma cama de hospital (chegou a pesar mais de cem quilos). Esse foi o período entre o acidente, que aconteceu em 2014, e a decisão de amputar a perna. “Depois que caí de moto, fiz seis cirurgias por conta de lesões no pé esquerdo. Antes, já tinha perdido parte dos movimentos do joelho quando tentei o suicídio e me joguei da laje com uma corda no pescoço. No hospital, engordei demais. Foi quando optei pela amputação para retomar minha vida.”
O alívio na balança mudou também a sua posição em campo. “Como era gordão, ficava na defesa. Com o jiu-jítsu perdi mais de 20 quilos, ganhei agilidade, e passei a jogar de centroavante. Ali, me encontrei. Num clássico contra o Corinthians, perdíamos de 2 a 0, quando eu entrei mudei o jogo e buscamos o empate. Depois, disputei também um torneio curto e marquei três gols contra o Timão”, afirmou.
A inclusão, que também aconteceu por meio do tatame, ajudou a mudar o seu pensamento em relação ao presente. E o recado é dado com uma tatuagem feita na altura da testa. “Tenho tatuado um “D” e logo depois a palavra “eficiente”. É a mensagem que eu passo. Não tem esporte adaptado para mim, disputo de igual para igual”, comentou Celestino que participa de rachões em uma quadra no bairro da Saúde além jogar peladas no Ibirapuera.
“Não tem diferença para mim (entre enfrentar jogadores com duas pernas). E os caras cobram viu. Não querem perder. Sabem que eu disputo campeonatos e xingam mesmo. E eu gosto dessas cobranças.”
A adrenalina provocada pela prática de esportes compõe uma rotina que hoje se divide também com o trabalho. Há dois anos, ele toca uma vidraçaria junto com o pai. “Sempre mexi com vidro, tenho 15 anos de experiência e agora prestamos serviços para os clientes. Depois que larguei as drogas voltei a ter uma vida normal. E o trabalho é fundamental para você se inserir na sociedade. No meu cotidiano, divido o dia entre trabalho, futebol e jiu-jítsu.”
Recém-integrado na equipe Almeida JJ, ele pretende agora dar um salto de qualidade na modalidade. “Eles são top do ranking. Enfrentei o time deles num campeonato e tomei um pau no tatame. Passei a treinar com essa equipe e vou ser inscrito no para-jiu. O mestre falou que serei uma de suas prioridades”, disse Celestino que é faixa roxa.
ESPELHO PARA A SOCIEDADE
Diante de uma trajetória conturbada até aqui, o fã de Luis Fabiano tem o agradecimento como ideologia. O martírio enfrentado por causa das drogas é o alerta que pretende passar para os jovens. “Tenho vontade de dar palestras e falar o que eu passei. Várias pessoas conheceram minha história nas redes sociais. Algumas se inspiraram em mim. Conhecidos que eram drogados pararam com o vício por causa do que eu passei. É gratificante ajudar as pessoas de alguma maneira.”
Outra motivação nessa mudança vem do seio familiar. Pai de Davi, 2 anos, ele quer passar um legado de superação. Fortalecer a imagem de atleta faz parte desse processo. “Eu posso carregar o meu filho no colo. Parece bobagem, mas é um sonho poder estar caminhando com ele. A Bruna, mãe dele, foi muito importante na minha ressocialização. Sou muito grato à ela pois me ajudou a buscar uma vida melhor”, afirmou Celestino que é separado.
Focado em seguir sua vida no esporte, o agora centroavante do Sorocaba sabe qual é o seu porto seguro. “Deus é fundamental na minha vida e se você buscar um objetivo com fé, o resultado vai surgir. Comigo foi assim e tenho certeza de que essa história vai ajudar outras pessoas.”
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