Olimpíadas: Medalhistas, Geovani, Chicão e Narciso superaram drama e torcem para brasileiros
Trio passou por problemas de saúde e estão na torcida pela seleção na grande final contra a Espanha
Campinas, SP, 06 – Eles levaram o futebol ao pódio numa época em que a modalidade não tinha tradição de medalhas na história dos Jogos Olímpicos. Mas foi fora dos campos que veio o maior desafio a ser vencido. Geovani, ex-meia do Vasco e prata em Seul-1988, lutou contra um câncer na coluna. Chicão, terceiro maior artilheiro da Ponte Preta e prata em Los Angeles-1984, teve um enfarte e quatro AVCs depois que parou.
O ex-santista Narciso, bronze em Atlanta-1996, foi diagnosticado com leucemia quando ainda era atleta na Vila e precisou abreviar a carreira e se reinventar na profissão. Cada um a sua maneira, eles superaram o momento difícil e agora vibram com as medalhas brasileiras em Tóquio.
Geovani foi um dos grandes nomes do Vasco nos anos 80. Nos Jogos Olímpicos de Seul, era o principal jogador de um time que tinha ainda Romário, Bebeto, Taffarel e Jorginho. Armador de rara habilidade e visão de jogo, ele viu sua vida mudar quando, há cerca de 15 anos, teve diagnosticado um câncer na coluna. A doença provocou uma polineuropatia que afetou a sua parte motora e atrofiou os músculos.
A dificuldade para caminhar o obrigou a precisar do auxílio de muletas. “Se eu não tivesse jogado bola, se não tivesse sido atleta, e atleta olímpico, não teria recuperado os movimentos. A religião, a fé em Deus e o apoio da família foram fundamentais na recuperação”, disse Geovani em entrevista ao Estadão.
Enquanto conversava com a reportagem, o ex-vascaíno foi interrompido algumas vezes para o pedido de fotos. Ele estava prestigiando uma partida de futebol com amigos. “Estou aqui com a rapaziada. Não jogo mais bola. No máximo, dou o pontapé inicial”, contou o ex-jogador que mora em Vitória e atualmente é vice-presidente da Federação Capixaba de futebol. Ele tem acompanhado o futebol do Brasil em Tóquio, mesmo precisando acordar mais cedo para ver as partidas.
“Hoje faço fisioterapia, caminhada na praia e um reforço muscular. Mas só tenho a agradecer. Foi a maior batalha da minha vida. Superação e crença em Deus. Quando Ele quer, nada pode mudar os seus planos”, disse o ex-jogador de 57 anos que é evangélico.
Ausente da final dos Jogos em 88 por estar suspenso, ele viu das arquibancadas o Brasil tomar a virada de 2 a 1 para a então União Soviética, que tinha um timaço e era temida, mesmo em Olimpíada. Apesar da prata, Geovani lembra com orgulho daquele time. “Tínhamos um grupo que estava certinho. Funcionando bem. Infelizmente aconteceu a virada. Não quero apontar culpados. Falhas acontecem. Mas nossa equipe tinha jogadores muito decisivos.”
EMOÇÃO COM AS MEDALHAS
Ligado nos Jogos de Tóquio, Geovani comparou a sua luta pela vida com a superação que os brasileiros medalhistas têm demonstrado no Japão. “Não é fácil ser esportista no Brasil. Cada medalha conquistada tem uma história maravilhosa”. Ele disse que se emocionou com o bronze do nadador Bruno Fratus. “Rapaz, por tudo que ele passou na carreira, caiu na água no meio das feras e conseguiu o terceiro lugar. Não tive como segurar as lágrimas. Passa um filme na cabeça da gente. Conseguir o pódio não é fácil.”
Rebecca Andrade também foi citada pelo ex-jogador como exemplo de superação. Ela ganhou duas medalhas na ginástica, prata e ouro. “Os problemas que ela teve de contusão, lesão, angústia… Mas o brasileiro é isso. Não desiste nunca. É um povo guerreiro e talentoso. Isso emociona muito a gente”, afirmou.
Dos jogadores para a seleção comandada pelo técnico André Jardine, Geovani disse estar preocupado com o que o Brasil vem apresentando em Tóquio. “O que os narradores estão querendo passar não é verdadeiro. A equipe foi muito bem contra a Alemanha. Mas diante da Costa do Marfim e da Arábia Saudita foi diferente. O time apenas fez a parte dele. No jogo pelas quartas de final, contra o Egito, os locutores estavam torcendo para o jogo acabar. Aí não dá.” E teve dificuldades também na vitória nos pênaltis diante do México. O time do Brasil vai brigar pelo ouro no sábado contra a Espanha, que passou pelo Japão.
LEUCEMIA E DETERMINAÇÃO PARA VOLTAR A JOGAR
O ex-volante Narciso despontou no Santos na década de 90 e logo suas boas atuações o credenciaram a estar no grupo que conquistou o bronze nos Jogos de Atlanta-1996. “Tenho dois sentimentos sobre aquele momento. A alegria de ter conquistado uma medalha olímpica. E a decepção porque poderíamos ter ido mais longe pelo time que a gente tinha”, disse ao Estadão.
Ronaldo, Rivaldo, Roberto Carlos, Dida, Bebeto e Aldair estiveram presentes naquela campanha. “Mas futebol tem disso. Nem sempre o melhor vai mais longe.”
A história de superação que Narciso tem para contar remete ao fim dos anos 90. A leucemia chegava no seu melhor momento na carreira. “Muda tudo. Não é uma gripe. Passei por muita coisa e quando eu voltei a jogar após o tratamento, também foi para mostrar às pessoas de que era possível superar as adversidades”, comentou.
Crença em Deus, apoio dos familiares e uma imensa corrente positiva foram os fatores elencados por Narciso para essa volta por cima. “Tive muito apoio das pessoas. Foi criada uma corrente positiva muito grande. Tudo isso aliada à minha superação. Os familiares não me deixaram sozinho em nenhum momento”, afirmou Narciso, que disse ter vivido um dia de cada vez para superar todas as etapas que o levaram à cura da leucemia.
SKATE E NATAÇÃO NA MEMÓRIA
Acompanhar o desempenho dos atletas brasileiros nos Jogos de Tóquio tem sido a rotina de Narciso desde que a Olimpíada teve início. Anda perdendo noites e madrugadas sem dormir. Das conquistas apontadas por ele, duas mereceram destaque. “A Rayssa foi muito especial porque ela trouxe para os torcedores uma coisa que o brasileiro gosta: a descontração. Claro que ela estava concentrada na medalha, mas a forma com que levou a situação foi importante. Conseguiu tirar a pressão e obteve êxito”, disse Narciso ao fazer uma ressalva. “Espero que ela agora tenha um acompanhamento, pois é uma menina.” Rayssa tem 13 anos.
O segundo destaque foi o bronze de Bruno Fratus. Para o ex-jogador, há uma semelhança que acompanha a maioria dos atletas: a determinação. “Ele estava atrás dessa medalha havia dez, doze anos. Ele não era o mais alto, o mais forte, o mais veloz. Mas caiu na água e fez a diferença. Todos os nossos atletas carregam uma história de superação. Só acho que o apoio a eles, deveria vir antes da conquista das medalhas.”
PRATA EM 84, CHICÃO PENSOU EM LEILOAR MEDALHA
Chicão também viveu uma reviravolta em 1999, quando sofreu um enfarte. Na época, administrava uma escolinha de futebol com o amigo Zenon, ex-Corinthians e Guarani. Ele ainda teve mais quatro AVCs (acidente vascular cerebral) e chegou a ter a visão comprometida.
O apoio da família foi fundamental. Desse período difícil restou apenas uma pequena sequela na fala, que não o atrapalha de se comunicar. Na entrevista concedida por telefone à reportagem do Estadão, o interlocutor da conversa foi o filho Franco Pianez Vidal. Ele disse que o pai vem acompanhando os Jogos atentamente e chorou quando Rebeca confirmou o ouro na ginástica.
“A emoção foi pela luta dela para chegar na Olimpíada. Como ele participou de Los Angeles em 1984, sabe bem como os esportistas se sacrificam para poder competir”, comentou.
Franco informou ainda sobre um projeto embrionário que está tocando ao lado do pai: o “Pratas de Campinas”. O nome é em alusão à prata conquistada por Chicão em 84. A iniciativa consiste em aulas de futebol para crianças.
“Meu pai até pensou em leiloar a medalha que ganhou em 84 para angariar fundos e tocar o projeto. A vontade de estimular o esporte nas crianças vem falando mais alto. Mas corremos atrás e conseguimos uma ajuda. Não foi necessário desfazer da medalha, que significa muito para ele”, comentou o filho, que é professor de educação física.
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